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CULTURA

Menino 23: A história que a história não conta

"Sabemos que se não houver compaixão, respeito e amor ao próximo, continuaremos sendo as pessoas que enumeram meninos negros para serem escravos de uma história que crucifica sua liberdade".

01/06/2016 - 15:42
Fran Baumgarten

Fran Baumgarten

Fran Baumgarten é uma comunicadora por natureza. Estudou Jornalismo, mas hoje se dedica ao Marketing. Usa o bom humor, que lhe é próprio, para traduzir o mundo a sua volta. Mas é o senso crítico que a faz ir além. Atualmente é colunista de Cultura na Casa de Notícias e nas horas vagas, o que a imaginação lhe permite ser.


Em 1998, enquanto ministrava aulas para jovens no ensino médio, o historiador Sidney Aguilar deparou-se com uma questão inquietante. Uma aluna comentou em sala que na fazenda de sua família, no interior de São Paulo, foram encontrados tijolos marcados com a suástica nazista. Desde então, Aguilar dedicou-se a apurar fatos que relatavam um acontecimento que os livros de história nunca contaram. Daí nasceu o documentário intitulado “Menino 23”.

A questão é que nos anos 30, a Fazenda Cruzeiro do Sul foi cenário de escravidão e trabalho infantil para 50 meninos negros. Eles foram tirados do orfanato onde estudavam, brincavam... eram crianças. Os meninos foram escolhidos a dedo por um proprietário da fazenda, na época, por parecerem mais fortes.

Oswaldo Rocha Miranda era responsável pelas crianças e conseguiu a confiança das freiras da Fundação Romão Duarte, tirando 50 meninos da tutela do estado. É, no mínimo, estranho que não houve desconfiança por parte do Educandário, que tantas crianças fossem adotadas de uma só vez, por um único homem.

“Ficava de braços abertos, ajoelhado em cima de grão de milho”, lembra Aloysio Silva, sobrevivente do período, hoje com 93 anos. Aloysio era o “menino 23”, pois na época, além da infância, também perderam seus nomes e eram chamados apenas por números.

Sidney Aguilar conseguiu contato com apenas dois dos garotos, pois são os únicos que se encontram vivos. Familiares de outras vítimas do período também aparecem no documentário, relatando o que a memória das histórias contadas pelas vítimas permite lembrar. “Tomara que ninguém passe o que eu passei” diz Argemiro dos Santos, uma das vítimas, hoje com 90 anos.

A classe dominante dos anos 1930 acreditava que a raça humana deveria ser purificada, um lastimável caso de eugenia que, até então, nunca fora mencionado. O arquivo é um retrato do passado que se reflete claramente no presente. Me pergunto se aqueles 50 meninos, a partir do momento em que foram soltos da fazenda à mercê do mundo, pararam de sentir na pele a cólera racista, dia após dia. Sabemos que não.

Sabemos que a dor de uma época marcada por torturas e trabalho escravo ecoa ao nosso arredor. Sabemos que o negro sofre hoje o preconceito que nunca morreu com o fim da escravidão. Sabemos que se não houver compaixão, respeito e amor ao próximo, continuaremos sendo as pessoas que enumeram meninos negros para serem escravos de uma história que crucifica sua liberdade.

O documentário dirigido por Belisário Franca é exibido em escolas, universidades, comunidades e empresas, a fim de propor uma reflexão sobre um período que marcou a trajetória social do país. Interessados podem agendar uma sessão através do link  http://www.menino23.com.br/2015/09/28/agende-1-sessao/

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