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GERAL

Para juízes e promotores deputados votaram a Lei da mordaça

Foi consenso entre as autoridades que deputados federais desconfiguraram projeto de iniciativa popular e aprovaram medidas que atacam a democracia

03/12/2016 - 01:22


Nesta sexta-feira (2), uma coletiva à imprensa, no Ministério Público – comarca Toledo, reuniu promotores que protestaram  contra a votação na Câmara dos Deputados, que para eles desconfigurou o Projeto de Lei de Iniciativa Popular das Dez Medidas de Combate a Corrupção. O protesto também aconteceu no judiciário, onde juízes, promotores, delegados e sociedade civil, reuniram-se para denunciar o que chamaram de manobra dos deputados. As autoridades foram unânimes ao afirmar que as emendas propostas pelos deputados se constituem numa mordaça ao MP, judiciário, Polícia Federal e imprensa. Eles consideraram  um ataque a democracia.

Na sede do Ministério Público o promotor Sandres Sponholz lembrou que Toledo na Campanha das Dez Medidas de Combate a Corrupção teve a adesão do maior número de habitantes por eleitor do Brasil. “Tivemos mais de quinze mil assinaturas para a campanha 10 medidas, o que significa um apoio expressivo ao trabalho do Ministério Público na comarca, no estado do Paraná e a nível nacional. Em virtude dessas circunstâncias que nós nos sentimos na obrigação de representar essas mais de quinze mil pessoas para apresentar nossa indignação com o esfacelamento do Projeto Dez Medidas Contra a Corrupção, ao desvirtuamento do projeto”.

Sponholz rebateu o ministro do STF Gilmar Mendes que afirmou que questionou na quinta-feira (1), que o Projeto de fato era de inciativa popular. “Quero deixar muito claro, divergindo respeitosamente com a opinião do ministro Gilmar Mendes, que ontem, no Senado, disse que o projeto sequer seria de iniciativa popular, porque a população não sabe, não tinha conhecimento do que seriam essas mudanças na lei. Na comarca de Toledo estivemos nas mais diversas instituições, indústrias, sindicatos, universidades e com a população para explicar o projeto, de acordo com aquilo que a população pode entender a respeito do projeto, infelizmente a educação pública é de má qualidade, não permite que o cidadão saiba de forma plena e consciente o significado da mudança. Mas, ficou muito claro que a população desejava uma mudança, desejava maior eficiência no combate à corrupção e o cenário que estamos vislumbrando em termos de proposta legislativa é uma descaracterização, a perda da essência do projeto 10 medidas contra a corrupção”.

As Dez Medidas

Sandres Sponholz apresentou o que eles consideram que desconfigurou no Projeto deiniciativa popular. As Dez Medidas, que visava reduzir o tempo de tramitação do processo, não foi aprovada. “Nesse Brasil depois do desvirtuamento das 10 medidas contra a corrupção, continuaremos a acompanhar, indignados, o arquivamento de inúmeros processos por decurso de prazo. Essencialmente, os prazos chamados prescricionais, que são muito favoráveis aos acusados no que se refere aos crimes de corrupção. Continuaremos a acompanhar surpreendidos, paralisados, as múltiplas hipóteses e nulidades processuais, nulidades que existem hoje por meras formalidades, por situações irrelevantes, capazes de paralisar os processos por tempo indeterminado”.

Segundo Sponholz a proposta das dez medidas, que visava à simplificação e a otimização das nulidades, apenas para aquilo que fosse essencial e prejudicial ao direito dos acusados, também não foi aprovada pelos deputados federais. “Da mesma forma o crime de corrupção, da maneira como se apresenta hoje continuará a ser o melhor investimento, pois compensará financeiramente. A proposta de recuperação do dinheiro desviado por intermédio de mecanismos mais eficazes também não foi aprovada. Nenhum dos itens relacionados à recuperação de valores obtidos ilicitamente foi aprovada até agora pelo parlamento”.

O Promotor relata que a proposta de criação de códigos de conduta que permitissem uma atuação mais homogênea por parte do servidor público também não foi aprovado. “Continuaremos a acompanhar agentes públicos que apresentem evolução anormal de seu patrimônio, sem provas da origem de sua bonança, essa pessoa poderá continuar aproveitando a vida porque não foi aprovada a proposta de crime de enriquecimento ilícito, que seria aquela situação em que o agente público tem patrimônio muito superior a sua renda, e não tem como provar a origem desse patrimônio, mas isso por si só não passa a ser indício de crime. O estado tem que provar a todo custo a origem desse recurso. A proposta era o contrário, que o servidor público mostrasse à sociedade aquilo eu ele teve de evolução patrimonial e que não fosse resultado de sua remuneração como servidor. Essa proposta não foi aprovada”.

Segundo o promotor Tiago Trevizoli o Projeto das Dez Medidas também contribuiriam para punir promotores e juízes corruptos. “O Projeto de Lei (aprovada pelos deputados), afundando as Dez Medidas e colocaram estes mecanismos para punir o que penso, o que eles fizeram foi a ditadura da corrupção, não tem outra palavra. Isso aqui (o PL aprovado) beneficia também promotores e juízes desonestos”.

Lei da Mordaça

O Promotor Giovani Ferri ao se manifestar contestou a versão dos deputados federais de que o judiciário não responde pelos seus atos. “Se passou uma falsa percepção à sociedade que promotores e juízes são intocáveis. Justificando que é preciso se prevenir de alguns abusos de autoridade. É preciso deixar claro que hoje já há diversos mecanismos de punição e apuração de abusos de autoridades, tanto do Ministério Público, como do judiciário. Temos uma Lei sobre isso, plenamente em vigor que atinge não só o judiciário e MP, mas todo o funcionalismo público e polícias. Tanto o MP, como o judiciário são constantemente fiscalizados pelas suas corregedorias, seu conselhos nacionais e indiretamente somos constantemente fiscalizados pelos próprios advogados que atuam nos processos”.

Ferri afirmou que a decisão da Câmara em relação ao abuso de autoridade tem como objetivo impedir que sejam instaurados processos de investigações. “A Emenda apresentada ao Congresso é claramente intimidativa e visa de início abortar uma investigação de ato de corrupção. Muitas vezes um inquérito de início não tem muitas informações documentais, por isso se abre um processo de investigação para que se chegue a uma conclusão se este ato é ou não ilícito e se precisa ser objeto de uma ação judicial. Promotor poderá ser responsabilizado, se por uma eventualidade, vier a arquivar este processo”.

O Promotor José Roberto Moreira diz que ao abrir um processo se pretende verificar a veracidade de uma denúncia e a Promotoria só poderá confirmar ou refutar se investigá-la. “Muitas denúncias para serem provadas precisam de interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário ou fiscal. Muitas denúncias são provadas através de depoimentos. Que poder um cidadão tem para fazer isso? Um cidadão não consegue instruir uma denúncia, isto é impossível para ele e se fizer será de maneira temerária”. Moreira advertiu que caberá ao Promotor processar o denunciante que trouxer uma denúncia sem provas ao MP.

Para o promotor Tiago Trevizoli Justo explica que a emenda vai inibir qualquer pessoa que possa contribuir com uma investigação. “Ninguém mais vai denunciar ninguém, pois sempre haverá alguém dizendo que não há elementos para aquela denúncia. Não podem me punir pelo o que eu interpreto, pois eu sou pago para isso. Eu sou pago para interpretar e oferecer denúncia. Se ela for procedente ou improcedente, isso é uma circunstância que está fora do meu poder. Isso depende se o juiz entender de modo diverso, isso depende que o tribunal ao qual  o juiz estiver vinculado estiver um entendimento diverso do que ele decidiu”.

Outro aspecto contestado pelo Promotor Giovani Ferri é de que a Emenda prevê punição também ao denunciante. “O artigo diz que o denunciante e o membro do MP estão sujeitos a ter que indenizar o denunciado por danos materiais ou morais que podem ter ocorrido pela propositura da ação. Com isso quem irá trazer uma denúncia ao MP?”, questionou Ferri.

Para o Ministério Público a imprensa também será alvo de retaliações se o Projeto for aprovado no Senado. “A imprensa é o grande aliado hoje do MP, da justiça e da Policia Federal. Sem uma imprensa livre, que não possa levar a sociedade fatos de corrupção no Brasil, a exemplo da Lava Jato, como a sociedade tomaria conhecimento sobre tudo o que se passa no Brasil. Este projeto é o verdadeiro restabelecimento da Lei da mordaça do Ministério Público e consequentemente da Imprensa”, protesto Ferri.

Moreira compartilha da opinião de que a emenda aprovada pelos deputados federais silenciará também a imprensa. “O artigo 29 do Código Penal diz quem de qualquer modo concorre para um crime incide para as penas a estes combinadas. Traduzindo em miúdos: se qualquer veículo de comunicação publicar a opinião deste promotor ele estará incorrendo nas penas combinadas, neste artigo. O promotor e órgão de imprensa irão responder juntos. Não se quer calar apenas ao promotor ou ao juiz, mas a todo aquele que trouxer a informação. A pena é de seis meses a dois anos de prisão, mais a multa e a possibilidade da reparação de todo o dano ”, explicou Moreira.

Representação

O promotor Tiago Trevizoli Justo alertou para a representatividade da sociedade na Câmara. “Se este Projeto de Lei for aprovado como está é de se verificar todos os eleitores em quem votou e como estes deputados votaram, para que a sociedade saiba o que seus representantes estão fazendo lá (Congresso). Eles querem punir por eu pensar, por eu interpretar esta Lei, punem por eu interpretar os fatos que vêem até mim”.

A promotora Katia Kruger lamentou a postura dos deputados federais. “Infelizmente estes deputados deram uma rasteira na sociedade. Mais de dois milhões de pessoas assinaram o Projeto das Dez Medidas de Combate a Corrupção, mas não somente estes queriam que este pacote fosse aprovado, mas também outras pessoas que não assinaram o Projeto de iniciativa popular. Agiram em auto defesa porque somente vota contra medidas de combate a corrupção é porque tem algo a temer. Muitos deputados que votaram sim, a favor destas emendas, estão respondendo investigações e processos. Só vota contra medidas de combate a corrupção quem se beneficia delas”.

Kruger adverte a sociedade sobre os seus representantes e conclama para que os cidadãos se posicionem e pressionem os senadores. “Estes deputados que lá estão e votaram, eles não estão usurpando nenhum lugar; eles foram colocados lá através do voto, talvez pelo voto das mesmas pessoas que assinaram, estes dois milhões de assinatura, então eu conclamo a sociedade para que se posicione favoravelmente a própria sociedade”.

O promotor José Carlos Mendes Filho destacou a organização do estado brasileiro. “Vivemos uma democracia representativa. Os deputados e senadores foram eleitos para nos representar. A sociedade é detentora de poder. Somos nós que devemos governar o nosso país, então não é legitimo que deputados e senadores aprovem leis ao seu bel sabor, para atender aos seus próprios interesses. Isso é abuso de poder, pois estão defendendo interesse de cunho pessoal. Eles nos representam, mas não mandam na nossa vontade. Eles têm um compromisso ético e moral de levar e continuar o âmbito coletivo, o desejo de toda a sociedade e pelas manifestações sociais que tem ocorrido, este não é o desejo da nossa sociedade”.

Independência

Katia Kruger também destacou a importância da independência do Ministério Público e judiciário. “Quando o Ministério Público é fraco, a sociedade é fraca. Quando o poder judiciário é fraco, a sociedade também é fraca. E o que esta manobra ocorrida na madrugada está tentando fazer é exatamente isso: enfraquecer o MP, enfraquecer o poder judiciário e desta forma, enfraquecer também a sociedade”.

MP em números

Hoje são 17300 inquéritos civis tramitando no Estado do Paraná. Só no ano de 2016, o MP propôs 1118 ações de improbidade administrativa. Nas Promotorias criminais e nos Gaecos são 1735 investigações criminais tramitando. “Imaginem todos estes processos passem a ser ocultados da opinião pública e da imprensa. Isso pode impor uma total inversão de valores”, avaliou Ferri.

Judiciário

Durante o ato no judiciário foi lido uma nota Pública chamada “A Democracia Corre Risco” criticando a punição de juízes, a criminalização da jurisdição como forma de atacar a democracia. E ainda, considerou um retrocesso em relação à Constituição Federal. Participaram do ato juízes, promotores, delegados e sociedade civil. Representante a Igreja Católica, o padre Helio  Bamberg defendeu a independência do judiciário e Ministério Público. “No meu trabalho tenho observado jovens defenderem a volta da ditadura, este não é o caminho. Podemos avançar com a união e bom senso e assim poderemos fazer a vontade da sociedade prevalecer”.

Durante o protesto, os participantes cantaram o Hino Nacional e hastearam a Bandeira que permaneceu em meio pau, em sinal de luto.

Ato Público

O Ministério Público estará apoiando a mobilização da sociedade civil, em defesa ao Projeto de iniciativa popular das Dez Medidas de Combate a Corrupção, marcada para domingo (4), a partir das 17h, no Parque Diva Paim Barth.

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