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CIDADANIA

Em palestra na UFPR, sobrevivente do Holocausto pede vigilância em defesa da democracia e dos direitos humanos

Segundo ela, "[...] precisamos lembrar sempre que o Holocausto teve causas econômicas e sociais, e pode acontecer de novo, com outras minorias. O preço da liberdade é a eterna vigilância.”

20/06/2018 - 14:33


O passado marcado pelos horrores do nazismo é mais do que uma lembrança dolorosa para Nanette Blitz Konig. Única sobrevivente de uma família holandesa enviada para campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial, ela rememora o Holocausto como um alerta para o presente e o futuro – algo que enfatizou várias vezes durante a palestra que fez na noite de terça-feira (19) no Teatro da Reitoria da UFPR, em Curitiba.

“Em pouco tempo não haverá sobreviventes como eu para testemunhar que isso ocorreu. Por isso é importante que os jovens assumam a responsabilidade de transmitir essa história e educar para que jamais se repita”, afirmou. “Não basta dizer ‘Holocausto nunca mais’. Temos que assumir a responsabilidade de eleger políticos comprometidos com a democracia e os direitos humanos. Precisamos lembrar sempre que o Holocausto teve causas econômicas e sociais, e pode acontecer de novo, com outras minorias. O preço da liberdade é a eterna vigilância.”

Nanette Konig, acompanhada do marido John: “Não basta dizer ‘Holocausto nunca mais’. Temos que assumir a responsabilidade de eleger políticos comprometidos com a democracia e os direitos humanos”. Fotos: Leonardo Betinelli – Sucom/UFPR

Nanette Konig veio a Curitiba a convite do Setor de Educação da UFPR e do Projeto Aprendendo a Conviver, por meio do qual equipes da universidade atuam em mais de 100 escolas públicas de Curitiba e Região Metropolitana, formando profissionais para a educação em direitos humanos e diversidade.

Alunos de algumas dessas escolas estavam na plateia do Teatro da Reitoria, lotada de interessados em ouvir Nanette Konig – conhecida por ter sido colega de escola de Anne Frank e pelo livro “Eu sobrevivi ao Holocausto”, que publicou em 2015.

Aos 89 anos, Nanette vive em São Paulo, para onde se mudou em 1953, ao se casar com John Konig, um inglês que já vivia no Brasil e que a acompanhou durante a palestra, transmitida ao vivo pela UFPR TV. Ao longo de 30 minutos, ela fez um relato minucioso de sua vida antes, durante e depois da passagem pelo campo de concentração de Bergen-Belsen.

Filha de um funcionário do Banco de Amsterdam e de uma dona de casa, Nanette frequentava uma escola pública na cidade e praticava esportes. Tinha 11 anos quando a Alemanha nazista ocupou a Holanda, em maio de 1940.

“Então tudo acabou. Um ano depois, meu pai teve que pedir demissão do banco, porque, como judeu, não podia mais exercer a sua profissão. Não podíamos mais usar o transporte público, fomos proibidos de frequentar cinemas e parques, havia lojas específicas para judeus, com horários restritos, e toque de recolher das 22 horas às 6 horas. Os judeus foram arrancados de suas casas, tiveram que depositar seus bens em um banco confiscado pelos nazistas, e eram identificados com estrelas amarelas costuradas nas roupas”, lembra.

A plateia, recepcionada pelo reitor Ricardo Marcelo Fonseca, lotou o Teatro da Reitoria para ouvir o relato de Nanette Konig.

Embora ressalve os riscos que corriam as pessoas que se recusavam a colaborar com os nazistas, Nanette é bastante crítica em relação à postura adotada pelas autoridades holandesas após a ocupação: “Houve muita colaboração. A Prefeitura de Amsterdam, por exemplo, forneceu um mapa muito útil aos nazistas, indicando os locais onde moravam judeus”.

Anne Frank

Foi já no período da ocupação alemã, em 1941, que Nanette conheceu Anne Frank. Proibidas de frequentar escolas públicas por terem origem judia, elas estudaram na mesma classe num liceu judaico em Amsterdam.

Depois de passar por um campo de transição, a família Konig foi levada para Bergen-Belsen em 1944. “Não era um campo de extermínio, mas as condições eram tão deploráveis que muitos prisioneiros morriam de fome e de doenças”, conta Nanette. “Uma ocasião, já famintos, nos deram um caldeirão de mexilhões. Mas não comi com medo da maldade dos nazistas. A comida poderia estar estragada.”

O pai de Nanette morreu nesse campo, aos 47 anos. O irmão, de 17 anos, foi deportado para outro campo, onde provavelmente foi morto. E a mãe foi deportada um dia depois, em abril de 1945, e morreu durante a viagem, num trem cheio de mulheres.

Em fevereiro de 1945, Nanette reencontrou Anne Frank em Bergen-Belsen. “Vi Anne através de uma cerca de arame farpado. Ela estava reduzida a um mero esqueleto. Tremia de frio e estava completamente debilitada”, rememora. Anne Frank morreu cerca de um mês depois, vítima de tifo.

O recomeço sozinha

Nanette Konig permaneceu em Bergen-Belsen até a chegada das tropas britânicas, em 15 de abril de 1945. “Meses depois, em agosto, me dei conta de que ninguém da minha família havia sobrevivido, e quase fiquei louca”.

Ela passou três anos num sanatório na Holanda, recuperando-se da tuberculose e do tifo. Depois foi morar com parentes na Inglaterra, onde conheceu John, com quem está casada há 65 anos. “Às vezes, na privacidade do quarto, ela ainda chora. Admiro muito essa mulher”, contou John Konig durante a palestra, emocionando a plateia.

Para Nanette, as verdadeiras vítimas do Holocausto “são os que sobreviveram e têm que conviver com suas memórias”. “A mente não tem um botão de apagar. É de admirar que essas pessoas tenham conseguido formar famílias estáveis, apesar de tudo.”

Em outubro de 1945, Nanette recebeu uma carta de Otto Frank, pai de Anne, perguntando se ela poderia receber visitas no sanatório onde estava. “Nessa ocasião ele me disse que gostaria de publicar o diário de Anne. Não podia imaginar a repercussão que o livro teria”, diz.

Brasil

Nanette Konig refez sua vida no Brasil. Teve filhos, netos, e, já avó, formou-se em Economia pela PUC-SP. O Brasil, afirma, “é um país muito bom para viver”. “Mas me preocupo porque os jovens não leem jornal, não têm a mínima ideia do que está acontecendo no País. Isso é muito perigoso. Muitos políticos se aproveitam dessa ignorância”, alerta.

Apresentações do Madrigal da UFPR, do Trio de Cordas e do Coral da Escola Israelita Brasileira Salomão Guelmann completaram a noite

Boas vindas

Nanette Konig e o marido foram recebidos pelo reitor da UFPR, Ricardo Marcelo Fonseca; pelo vice-diretor do Setor de Educação, professor Marcus Levy Bencostta; e pelo coordenador do Projeto Aprendendo a Conviver, professor Josafá Cunha.

“É um dia especial para a nossa universidade. Temos orgulho em receber este evento. Nossa instituição tem momentos de alegria quando se abre para a comunidade – como no Aprendendo a Conviver –, para a cultura e para o debate de temas como o desta noite”, disse o reitor ao abrir o evento.

Além da palestra, a plateia assistiu a apresentações do Madrigal, grupo artístico da UFPR, do Trio de Cordas e do Coral da Escola Israelita Brasileira Salomão Guelmann.

Aprendendo a Conviver

Selecionado entre quatro propostas nacionais pelo Ministério da Educação (MEC), o projeto da UFPR “Aprendendo a Conviver” atua na área de formação de profissionais da rede básica de ensino voltada para a educação em direitos humanos e diversidade.

A iniciativa envolve mais de 100 escolas de Curitiba e região metropolitana, oferecendo capacitação para o reconhecimento e o enfrentamento de situações de bullying e violência, incluindo módulos especiais sobre preconceito e discriminação no ambiente escolar.

O Aprendendo a Conviver busca capacitar educadores para que reconheçam e adotem estratégias eficazes para monitoramento e atendimento das múltiplas formas de violência, preconceito e discriminação no ambiente escolar.

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