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OPINIÃO: O Egito, o Oriente Médio e a democracia

Muito se tem falado e escrito ultimamente a respeito das manifestações na Praça Tahir e a respeito do que vem ocorrendo no Oriente Médio. Questiona-se a possibilidade da instalação de um regime democrático na região. Sobre este assunto gostaria de comentar algumas coisas que  têm sido destacadas e outras não nas análises a respeito e que podem ser decisivas para o desfecho do que se tem assistido.

07/02/2011 - 18:00


Primeiro cumpre lembrar que o fenômeno não é de todo novo, pois as últimas eleições no Irã foram marcadas pelo mesmo tipo de manifestação, e à exceção da violenta repressão, o desfecho poderá ser o mesmo: o regime em vigor se manterá podendo ou não fazer concessões aos opositores.

Segundo: há uma importante utilização de meios de comunicação não calcados na comunicação de massa como os celulares, o Twiter e o Facebook. Necessário relembrar o pensador espanhol Manuel Castels, já citado nesta coluna, e apontar que estes meios estão provocando uma revolução ao permitir que um número muito grande de indivíduos se tornem sujeitos de sua história e possam fazer sua voz ecoar pelo mundo. A frustrada tentativa de Mubarak de conter as manifestações tirando a Internet do ar e castrando os celulares é a prova viva do que estou falando.

Terceiro: o fenômeno está acontecendo numa região que há séculos vem sendo disputada por cristãos e muçulmanos e riquíssima em petróleo. Recentemente, e como resultado da Segunda Guerra Mundial, onde foi palco de célebres batalhas, ela se viu dividida na Guerra Fria entre americanos e russos, e o Egito ocupa posição estratégica tendo pendido para o lado americano nos anos sessenta após duas pesadas derrotas militares para Israel, o que com certeza contribuiu para que os americanos construíssem uma boa cabeça-de-ponte no Oriente através do quadrilátero: Israel, Turquia, Egito e Arábia Saudita, o que lhes permite forte influência militar na região e uma ingerência extrema em seus conflitos, cujos exemplos são o Afeganistão e o Iraque.

Se entendermos a Segunda Guerra Mundial como um choque de civilizações onde de um lado havia as democracias ocidentais, três regimes ditatoriais poderosos (facismo, nazismo e comunismo) que naquela região específica ocorreu em conjunto com a oposição ao colonialismo europeu, temos um conjunto bastante complexo de fenômenos, onde se deve entender o que vem ocorrendo recentemente como um desdobramento deste conflito e da Guerra Fria.

Além disto, cabe ressaltar que não é da tradição regional a existência de Estados tais como nós ocidentais conhecemos. Ao contrário, a delimitação de suas fronteiras é extremamente tênue e resultado do processo citado no parágrafo anterior, e governos democraticamente eleitos são raros na região. Por isto será necessário observar e entender o papel da cultura muçulmana no processo político da região como um todo.

Por último: as informações veiculadas pela imprensa permitem perceber um elevado número de atores na cena política egípcia: há de um lado Hosni Mubarak e parte do exército e cumpre destacar que tiveram papel fundamental em contornar a crise política que seguiu-se à morte de Anwar Sadat que teve destacada atuação no processo de independência do país e paz com Israel controlando uma oposição radical, representada pela irmandade islâmica, sendo ela parte da oposição a Mubarak e membro de uma coalizão muito ampla que engloba dissidentes do regime, movimentos jovens, partidos de esquerda e movimentos políticos que fazem uma oposição institucionalizada ao regime.

A saída de qualquer regime político fechado para um mais aberto  só é possível quando os custos de tolerância à oposição são superiores aos de sua destruição (e não me refiro apenas a massacres, é possível pensar na questão ideológica também). Esta parece ser a situação do Egito. Por outro lado, é necessário que o regime que sai e o que pretende entrar controlem seus lados mais radicais, o que ainda não está claro se acontecerá ou não.

Analisando as transições de regimes fechados para outros mais abertos no mundo contemporâneo, o pensador norte-americano Robert Dahl formulou o conceito de Poliarquia, como o próprio nome diz, regimes onde os poderes são vários, o Estado de Direito é minimamente garantido, há possibilidade de contestação do governo e alternância de podr dentro dos limites legais.

Mubarak dá sinais de que pretende continuar no poder e conduzir a transição até setembro com a realização de eleições. Ainda que ante as grandes manifestações na praça Tahir, este parece ser o processo mais indicado, tendo em vista que neste momento sua saída abrupta do poder pode representar uma luta interna grande dentro da oposição e um comprometimento do que esta quer implementar no país.

Nós brasileiros podemos nutrir um desejo enorme de que os  manifestantes anti-Mubarak tenham sucesso pela semelhança do atual processo político egípcio com a nossa história, que aliás, pode ensinar a eles as virtudes e os percalços de uma transição extremamente negociada. De uma maneira geral, todos nós ocidentais nutrimos este desejo, mas é necessário observar que as posições dentro do campo oposicionista no Oriente Médio, ao menos pelas informações que a imprensa divulga ainda não estão claras, e que há o caráter da extrema penetração religiosa na vida política local são fatores por nós não tão conhecidos assim, tendo em vista que a nossa cultura tenta primar pela laicidade do Estado, e que a composição do arco de poder pós-Mubarak deverá lidar com uma realidade cultural, política e geopolítica bastante complexa, tal como a esboçada acima.

Neste sentido, prudência é fundamental, e se deve ter em mente que a democracia será apenas uma resultante possível de todo este processo, mas que se deverá pugnar pela  estabilidade política da região e observar in loco e ao vivo como novos atores e novas tecnologias estão se constituindo como fontes de poder, o que se constitui na melhor e mais ampla novidade política em nível mundial, e é interessante que ela esteja ocorrendo não só nos países centrais ou na América Latina, onde bem ou mal já existe uma tradição democrática, mas sim onde esta pode estar sendo criada, o que é um enorme desafio, tanto em nível teórico quando no da observação e debate.

 

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