Acossado pela pressão popular Mubarak deixou o poder mais cedo que o que previa. Khadaffi dá sinais de que pretende reprimir e resistir. O que explica a diferença de comportamento entre os dois é obviamente a maneira como sentem a força de seus opositores. O Egito teve uma aproximação maior com os Estados Unidos nos anos 60 e 70 e acabou se tornando central para a política daquele país e do ocidente de maneira geral naquele período, desempenhando oum papel de “fiel da balança” na questão do petróleo e do conflito árabe-israelense. O regime de Khadaffi ao contrário, foi quase relegado ao esquecimento. À exceção de uns poucos embates com os americanos nos anos 80, pouca importância se deu a ele.
Apontei no texto do dia 07 que o fenômeno da democracia no mundo árabe é novo e que por isso merece ser analisado com cuidado, e o que os fatos ocorridos na Líbia colocam é exatamente isso: que capacidade terão os atuais governantes de manterem-se no poder e a que custo?
Outro ponto importante a ser observado será o papel das forças armadas. Necessário lembrar que tanto Khadaffi quanto Mubarak e outros governantes da região são ou foram seus oficiais e que estas tiveram papel fundamental na redefinição de todo o esquema econômico e político da África pós-Segunda Guerra. Ao forçar a saída de Mubarak e dividir-se no tocante a Khadaffi, observa-se que não há um comportamento homogêneo deste setor na região. Por-que? Quais as implicações ou ligações disto com o mundo pós Guerra-Fria? Que ideologias aqueles militares têm?É importante o fato de que o Egito possui hoje uma matriz mais americanizada e a Líbia mais russa neste setor?
É difícil encontrar respostas pelo fato de poucas vezes termos feitos perguntas! O oriente permanece para nós como a terra dos mistéros, dos sheiks, do kibe e dos contos de Sherazade, como se não houvesse entre nós laços profundos e como se a imigração árabe pouco ou nada tivesse contribuído para a nossa história.
Torna-se necessário voltar o olhar para aquela região, acompanhar e analisar com atenção o que vem ocorrendo e tentar avaliar e compreender uma redefinição econômica, política e geográfica que pode estar se avizinhando. Localizada entre o Egito e a Argélia, o que ocorrer na Líbia poderá ter influências decisivas no desfecho dos fatos naqueles dois países. Há também a questão petrolífera a ser vista, e o fato de que muito próximos dali estão o Sudão e a Somália com todo o problema da pobreza e dos ataques piratas no chifre da África.
Pobreza, petróleo e democracia que panorama interessante para observar os desdobramentos da Guerra Fria no Oriente Médio e os fatores e atores que podem levar à queda ou não de seus últimos baluartes. Deixo a questão religiosa para reflexões posteriores, pois cabe analisar agora que, acossado de um lado por uma ameaça de guerra civil e de outro pela de invasão, Kadaffi parece fiar-se em tropas alheias e a soldo, recurso que, desde Maquiavel não se recomenda aos governantes por serem estas ou muito cruéis com a população, ou fiéis exclusivamente ao dinheiro de quem as paga.
O fim do governo de Kadaffi são, portanto, praticamente favas contadas, mas daí a apostar no triunfo da democracia, vai um longo caminho!