Toledo recebeu, nesta sexta-feira (4), o teólogo, escritor e professor universitário, pai da Teologia da Libertação no Brasil e conhecido internacionalmente por sua defesa dos direitos dos pobres, excluídos e o meio ambiente, Leonardo Boff. Ele falou para a plateia do Cultivando Água Boa – CAB sobre a relação homem e meio ambiente e sobre a expectativa de uma nova civilização baseada em outra forma de se relacionar com a natureza, integrando o científico e o espiritual. Leonardo Boff conversou com a imprensa sobre estas ideias, a Encíclica do Papa Francisco, sobre a Casa Comum, desenvolvimento sustentável, política e teologia da libertação.
Acompanhe agora a Coletiva à imprensa concedida pelo teólogo Leonardo Boff.
Desenvolvimento Sustentável
Leonardo Boff – LB - Acho que temos que libertar a ideia de sustentável do tipo de desenvolvimento que temos, que não é desenvolvimento que é crescimento material, econômico medido pelo PIB – este é insustentável, porque ele atende a 1,6 milhão de pessoas e deixa quase 6 bilhões de fora. Se nós pensarmos em sustentabilidade toda aquela atividade que permite que a educação que a política que tudo pode correr fluentemente, que possa se reproduzir ela é um dado fundamental de todos os seres vivos. Se você não os sustenta, não os segura, eles vão definhando e desaparecem. Então sustentabilidade é fundamental e tem que entrar em todas as dimensões e não só na econômica.
Sustentabilidade: como avançar
LB - O sentido da sustentabilidade são ações que, por exemplo, a floresta não pode ser abatida, ela é melhor de pé do que derrubada e que ela possa se reproduzir. Olha no serrado é uma floresta amazônica que cresce para baixo e não para cima, suas raízes vão até 30 metros de profundidade e são elas que abastecem os aquíferos, então você não pode cortar aquelas árvores e plantar soja, cana ou girassóis. Toda a umidade que vem da Amazônia alimenta os rios e o Serrado é a caixa d’água dos principais rios brasileiros. Então sustentabilidade é manter este ecossistema , manter para que ele possa se reproduzir e ser bom para nós e para as futuras gerações que elas também tem direito de herdar uma terra saudável.
A agroecologia como alternativa
LB - No mundo inteiro, não só no Brasil, a agroecologia ganha adesões. As pessoas estão interessadas em uma alimentação sadia, menos quimicalizada. O futuro do desenvolvimento agrário caminha nesta direção, com pequenas cooperativas, com redes de produtores. No Brasil já há uma articulação nacional, há uma instância ligada à presidência, coordenada por Paulo Singer que é para apoiar esta agricultura ecológica, familiar. É uma esperança que alternativas, como estas, estão acontecendo e têm grande futuro porque ajuda a saúde dos seres humanos e a saúde da própria terra, porque você poupa a terra dos agrotóxicos, da poluição do ar, solo e águas. É uma forma de você ter uma relação mais benigna, mais amiga da Casa Comum. Eu acho que o Brasil pode ser um pequeno ensaio, daquilo que pode ser a civilização, uma biocivilização, onde o centro é a vida, a humana e a vida do planeta terra. Então nós temos tudo para dar certo, talvez o único país, que pode inaugurar o começo de uma nova forma de habitar o planeta terra.
A plenária da COP 21, a cúpula do clima de Paris
LB - O que foi votado na COP 21 não é obrigatório, mas é pela primeira vez, depois de 21 reuniões, várias delas eu participei, houve um consenso entre as nações de não permitir que cheguemos a 2º C de aquecimento, porque se chegar será difícil de administrar o planeta terra, então todos são convidados, cada um a sua maneira, a impedir o aumento do aquecimento global. O Brasil teve metas importantes sobre o desmatamento para diminuir o aquecimento. Então eu creio que temos um documento de referência com o qual podemos pressionar as empresas e estados para que cumpram o que foi decido por todos e aí forçar para que eles efetivamente cumpram as metas, embora não tenham a obrigatoriedade de uma Lei, mas é um compromisso muito serio não só de desenvolvimento, mas tem a ver com o planeta terra é o sistema vida que está em jogo.
Diálogos no CAB
LB- Estou apresentando meu apoio explicito ao Cultivando Água Boa – CAB e aprofundando suas visões, que é seguir os princípios da carta da terra da sustentabilidade, participação popular e a ética do cuidado, que foi profundamente desenvolvida pela Carta Encíclica do Papa Francisco, Cuidando da Casa Comum, então é um complexo de valores humanos que implica a economia com a relação nova com a natureza, implica criar cidadãos que respeitem os ritos da própria terra e tudo isso são os elementos básicos que estão na base de uma nova civilização.
A minha avaliação sobre o Cultivando Água Boa é aquela que a ONU fez: Este projeto é uma referência exemplar para grandes empresas para que façam ações sustentáveis. O importante deste Projeto é que ele não vem de cima para baixo, ele vem de baixo para cima. Ela envolve as populações, as pessoas participam com suas associações, conexões e é uma visão integral de ecologia. Não se trata só do meio ambiente ou do desenvolvimento, se trata da educação, da relação com o meio ambiente, uma grande espiritualidade, não só uma visão material do mundo, mas uma visão humanística, com valores espirituais, de solidariedade, amizade e convivência pacífica. Incluindo aqueles que estavam esquecidos, como os indígenas e os afrodescendetes. É projeto globalizante que vai ao encontro da linha do que o Papa Francisco quer. Uma ecologia integral, que envolve o ambiente, a sociedade e uma visão espiritual do mundo, porque não temos só fome de pão, temos fome do infinito, fome de valores e amizade – e isso é a dimensão espiritual.
Relação com o Papa Francisco
LB - O Papa queria aproveitar o que a América Latina fez sobre ecologia e então me pediu a colaboração na produção de textos e para minha surpresa os eixos básicos que nós refletimos no Cultivando Água Boa, nos meus escritos, estão na Encíclica do Papa. Ele teve a gentileza de um dia antes de publicá-la me mandou um agradecimento especial pela colaboração. A Encíclica é dele e eu estou feliz que ele assumiu nossa expectativa de superar essa visão só ambientalista e buscar uma visão integral que não fale muito de terra, mas se fale em Casa Comum, porque casa é algo do coração, de família. Terra é físico e nos dá tudo aquilo que precisamos. O Papa universalizou esta visão a ponto dos grandes ambientalistas mundiais dizerem que o Papa está na ponta da reflexão ecológica mundial. Esta Encíclica é para a humanidade, não só para os cristãos. O problema é global e todos têm que dar as mãos e dar a sua colaboração. O Papa deu a dele, pegou dados da ciência e deu o lado espiritual das coisas.
Razão e Emoção
LB - Uma dos grandes vazios da nossa cultura é que ela é excessivamente racional, técnico – cientifica – que muito importante para poder organizar nossa sociedade, mas ela perdeu o sentimento: vê um caído na rua, vê milhões de pobres, vê uma natureza devastada e não se comove. Então é no coração que estão os valores, que está a ética, os sentimentos profundos, aquilo que move as pessoas. Então temos que completar a razão científica com a razão emocional, a razão do coração e uma das grandes contribuições do Papa foi ter incluído esta razão na sua Encíclica dizendo a dor da natureza, seja a tua dor, o grito do oprimido seja o teu grito, o grito da terra seja o teu grito. O coração move as pessoas para cuidar da terra, cuidar do outro.
A Teologia da libertação é atual
LB - A Teologia da Libertação nasceu ouvindo o grito do oprimido e hoje é o grito da terra oprimida. Enquanto houver gente que grita, pobres, marginalizados - que estão crescendo no mundo inteiro -, então há sentido em falar de libertação. Expirados não em Marx, porque ele nunca foi pai ou padrinho da Teologia da Libertação, mas sim, inspirado na própria figura de Jesus Cristo, que foi libertador e na tradição profética, em pessoas como D. Elder e outros. E hoje é a grande Teologia que vem do Terceiro Mundo e criou um Papa. É a Teologia da Libertação na versão Argentina que partia da cultura oprimida, do povo silenciado e que, a partir da Fé se pretende libertar. É uma Teologia viva, é atual porque o problema existe e continua crescendo, então nós temos que nos desempenhar para que junto com esta libertação incluamos a Casa Comum, o Planeta Terra, que está oprimida e deve ser incluída dentro da opção pelos pobres, a terra é o grande pobre.
Condução coercitiva de Lula e conjuntura política
LB - É um momento dramático, eu lamento que isto seja feito dentro de um espírito persecutório, com vazamento de documentos que não deveriam vazar, por isso é ilegítimo. Estes documentos não são legítimos porque não foram homologados e se mistura fatos e boatos, então precisamos ter cautela, juízo crítico, porque não se trata de qualquer pessoa, se trata de um ex-presidente que trouxe benefícios imensos para este país, incluindo milhões de pessoas para serem cidadãos, para freqüentar as Universidades. Então são conquistas para a sociedade brasileira, através desta figura carismática que deve ser trata com respeito. Agora, tudo aquilo que estiver errado, que estiver sob medida da justiça ele como cidadão tem que aceitar isso, o que eu não creio, pelo o que eu posso testemunhar de longa data, eu acho que ele é uma pessoa extremamente correta e eu confio que o que é verdadeiro tem força e o que é verdade irá aparecer.