Existe uma linha tênue entre a vida e a morte. Só quem chega ao limite aprende a valorizar o simples ato de respirar. Foi assim, sem fôlego, que Elaine Fernandes Celestino, 28 anos, se deparou com o risco iminente da morte.
Era 9h do dia 1º de abril de 2014 – Dia da Mentira. O sol brilhava forte e tudo parecia normal. A jovem bióloga, que respondia pelo cargo de diretora do Meio Ambiente da Prefeitura de Guaíra, no Paraná, estava a trabalho no bairro Eletrosul. Vistoriava junto com um engenheiro civil uma área para licenciamento ambiental.
Com passos apressados, dois homens seguiram em direção ao carro particular do engenheiro, em que estavam. Com arma em punho, um dos assaltantes iniciou os disparos.
O som ecoa na cabeça dos jovens até hoje. Naquele momento, nenhum dos sentidos do corpo parecia responder aos comandos do cérebro, com exceção da visão, fixa ao dedo no gatilho. A mira na cabeça do motorista. Elaine desviou o olhar em direção aos olhos do assaltante em busca de humanidade, de misericórdia. Não encontrou.
Pow. Pânico. Clac. Um supiro. Clac. Um supiro. Clac. Um suspiro. Clac. Quase alívio...
Apenas o primeiro disparo funcionou e com o susto o engenheiro moveu-se o suficiente para desviar a cabeça do projétil de bala. Com a sequência de disparos falhos, os bandidos apelaram e retiraram o motorista a pontapés do carro. Por instinto, a jovem que estava no banco do carona abriu a porta e também saiu em desespero. Ao tentar por um dos pés no chão fraquejou e caiu.
O disparo que poderia ter colocado o engenheiro na estatística de homicídios da cidade – a oitava mais violenta do país segundo o Mapa da Violência 2015 – atingiu a perna esquerda de Elaine um pouco abaixo do joelho. A munição explosiva deixou em pedaços os dois ossos da canela, tíbia e fíbula. Em um minuto todo o futuro da jovem foi transformado.
- Foi tudo muito rápido e você não pensa direito em um momento como esse. Não podia acreditar no que estava acontecendo. Quando ele mirou para a cabeça do meu colega só consegui pensar: ele vai nos matar. Foi isso que ele tentou fazer, mas graças a Deus fomos abençoados. Renascemos.
Os ladrões saíram em fuga com o veículo roubado, enquanto a luta de Elaine só estava começando.
MENTIRA
O Dia da Mentira daquele ano começou sem “brincadeiras” para Elaine. Mas a fama da data dificultou a crença na história, que aos poucos chegava aos amigos e familiares da bióloga.
Minutos após o ocorrido, seu Valdemar Celestino recebeu um telefone da filha. Mas havia algo de estranho, não era Elaine que falava ao telefone. A notícia de uma das pessoas que a socorreram era que a filha mais velha acabará de levar um tiro em um assalto.
A primeira reação foi a descrença. Seu Valdemar achou que fosse um trote por conta do dia 1º de abril. Ainda assim, preferiu seguir o instinto paterno e conferir se Elaine estava em segurança.
- Na hora você se desespera e tudo que quer saber é como está a pessoa. Eu saí ao encontro dela imediatamente, rezando a Deus e tentando manter a calma.
A dor de Elaine parecia ser sentida pela mãe, que ficou em casa sem condições de ação. Pálida e visivelmente amedrontada, dona Luzia Celestino tentava se manter em pé e demonstrar força.
Mas o amor materno falou mais alto e a dona de casa enfrentou o próprio medo e todos que se opuseram a sua ida ao encontro da filha. Em minutos, lá estava ela à espera de Elaine na Unidade Central de Saúde de Guaíra. Parecia ter pego toda a dor e escondido no peito. Era a mais forte das mulheres ali presente.
SOCORRO
Quando Elaine se deu conta do que havia ocorrido se desesperou. Pessoas que moravam por perto e que por ali passavam, não demoraram a socorrer a jovem.
Manter a calma. Conter o sangue. Providenciar o socorro. Tudo parecia uma missão quase impossível. E durante a espera, parecia que o relógio não girava.
-Tinha muito barulho de movimentação, eu estava suja no chão e não sentia minha perna. Rasgaram minha calça e eu mal conseguia pensar. Não tinha ideia da gravidade.
Dali a bióloga seguiu para o pronto socorro da cidade, onde não havia condições para um atendimento adequado, por isso foi encaminhada ao Hospital de referência em ortopedia na região, o Bom Jesus (HBJ) em Toledo, Paraná.
Sem cor, o rosto de Elaine denunciava a perda de sangue que sofrera. Caso o projétil explosivo tivesse acertado outra parte do corpo, ou a artéria da perna, mais acima, a jovem se quer sobreviveria até a chegada do socorro. Ainda assim, cada minuto era precioso. Uma luta pela sobrevivência sem sequelas.
O irmão do meio, Leandro Fernandes Celestino, 26 anos, estava em Toledo e foi recepcioná-la na chegada ao Hospital - quase quatro horas depois do incidente. Quando abriram as portas da ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgências (SAMU) de Guaíra se deparou com a irmã em pânico e não conteve a emoção. Estava pálida e repetia em prantos:
- Eu levei um tiro, eu levei um tiro! Meu Deus me ajuda! Está doendo demais!
Sem conseguir absorver toda a situação em que estava envolvida, Elaine, uma típica cidadã brasileira, era violada em direitos assegurados na Declaração dos Direitos Humanos. Além de vítima da violência urbana, também sofreria com as deficiências que ainda existem na saúde pública do país.
A bióloga não contava com plano de saúde e enfrentou a fila do Sistema Único de Saúde (SUS), que naquele dia estava congestionada com casos que, como o dela, demandava de operação em ortopedia. Das 9h da manhã até às 2h da madrugada do dia 2 de abril, a jovem permaneceu aguardando a cirurgia sem quaisquer medicação para dor. Sozinha, Elaine se apegou a força que lhe é própria, sem desmaiar em nenhum momento, além da própria fé ao conversar com Deus, até enfim, dar entrada no centro cirúrgico.
Durante a espera, familiares e amigos não podiam ter informação. O namorado Josiano Pereira da Silva, conhecido como Luciano, e a irmã caçula, Erica Fernandes Celestino, aguardaram durante todo o período na sala de espera do Hospital. Cada minuto parecia uma eternidade e a aflição crescia sem parar dentro do peito.
- Nem me lembro quantas vezes fui perguntar sobre ela. Sempre a mesma resposta: está na fila para a cirurgia. Ali, quase na porta do centro cirúrgico nos deparamos com diversas pessoas que entravam e saiam de cirurgias, até uma senhora que aparentava mais de 90 anos passou por nós e nada da Elaine.
Comentou a irmã.
CIRURGIA
A cirurgia devia ser uma boa notícia, se não fosse as deficiências do SUS, em que profissionais médicos tratam a amputação como uma fórmula mágica para a solução de casos de fraturas, mesmo quando não há necessidade.
Na sala cirúrgica o clima era pesado. Os profissionais se movimentavam de um lado para o outro preparando equipamentos e materiais. O médico ortopedista de plantão, M. R. entrou, examinou a ficha médica e a perna de Elaine. Então sentenciou:
- Vamos ter que amputar.
A jovem sentiu um frio percorrer todo o seu corpo, incluindo o membro baleado. Por um instante pensou a vida sem uma das pernas. Apesar da gratidão em estar viva foi inevitável pensar no esporte favorito, o futsal... Elaine pensou nos planos profissionais como bióloga e professora... Pensou no sonho de um dia correr atrás dos filhos que pretende ter... Pensou tudo isso e mais em um único instante e se desesperou.
Estava exausta e com dor, mas ainda não havia recebido a anestesia geral. Uniu toda suas forças e começou a gritar.
- Eu conheço meus direitos! Vou acionar o Ministério Público! Você não pode amputar minha perna!
Sem respostas, a jovem foi sedada e adormeceu. Na manhã seguinte, Elaine acordou em um quarto de enfermaria, com a perna e diversos ferros sob ela. Mas mal pôde curtir o alívio. Quando o médico retornou para visita, proclamou uma nova ameaça:
- Vamos ter que amputar essa perna, pois não tem outro forma.
A jovem estava visivelmente assustada. Indignados, familiares e amigos de Elaine se mobilizaram. A situação só mudou quando a paciente conseguiu levar sua história até a administração do Hospital e a amputação passou a ser considerada só em caso de infecção.
No quarto da enfermaria tudo era sem graça. As paredes tinham uma cor esverdeada, velha e melancólica. Os móveis pareciam evocar o passado, de tão antigos. Além da maca de Elaine, que ficava ao lado do banheiro, com os pés voltados à porta, haviam outras três macas onde outras pacientes eram acolhidas.
A primeira noite foi horrível. A bióloga estava acompanhada da irmã caçula no quarto e apesar de mal terem se recuperado do susto, não puderam pregar os olhos. A paciente ao lado, que tinha sido esfaqueada durante uma briga, gritou durante toda a madrugada. Sequer as enfermeiras conseguiam suportar.
Mas não era isso que motivava o desejo de sair do Hospital, e sim, o risco de infecção. Para garantir, Elaine teria que ser transferida para um quarto privado, onde sua maca não estaria mais ao lado do banheiro, mas a mudança lhe custaria caro, pois a segunda cirurgia, já agendada, não poderia ser via SUS. Dessa forma, a paciente foi mantida na enfermaria até ganhar alta e voltar para casa.
PRIMEIRA RECUPERAÇÃO
A viagem de volta para casa foi turbulenta e sofrida. A chegada em casa também não foi tão feliz quanto gostaria. Sem poder ir para casa dos pais, onde haviam animais de estimação que traziam risco de infecção, Elaine teve que voltar para o apartamento em que morava, no terceiro andar de um prédio sem elevador. Subir a jovem recém-operada foi quase uma operação de guerra, com ajuda de enfermeiros e profissionais da saúde do município, familiares e amigos.
Elaine permaneceu na cama por 15 dias. Durante o período toda sua dignidade foi deixada de lado. Sem poder se levantar, a jovem dependia das pessoas para fazer até mesmo as necessidades fisiológicas.
A rotina até então agitada da jovem sonhadora, que durante o dia exercia a profissão como diretora de Meio Ambiente e a noite como professora universitária na Universidade Paranaense (Unipar), mudou bruscamente. Agora o único compromisso de Elaine era com sua recuperação.
SEGUNDA CIRURGIA
A data da segunda cirurgia chegou e com ela a esperança de uma recuperação definitiva. No dia 15 de abril Elaine voltou a Toledo para o procedimento, que seria realizado via SUS no mesmo Hospital. O objetivo era solucionar os problemas, com a retirada do fixador externo e uma recuperação definitiva. Mas não foi bem isso o que aconteceu.
Durante a conversa com o médico, pouco antes do internamento para a cirurgia, a surpresa: O profissional propôs que o procedimento fosse realizado no sistema particular com a justificativa de que o HBJ não contava com o equipamento necessário para solução do problema, um intensificador de imagens, estragado há anos.
Em nenhum momento anterior, desde o incidente, a possibilidade havia sido citada. Segundo o médico ortopedista que atendia Elaine, caso a cirurgia fosse realizada no HBJ seriam implantados mais “ferros” externos e a perna da paciente ficaria consideravelmente mais curta.
Preocupada e tentada pelos benefícios do procedimento privado, Elaine aceitou a oferta. No mesmo dia o médico buscou por Hospitais particulares de Toledo que pudessem disponibilizar o centro cirúrgico para o atendimento da bióloga. Devido à falta de materiais em um dos hospitais, Elaine foi atendida no Hospital Doutor Campagnolo.
A instituição privada não aceita convênios da Prefeitura de Guaíra e sem plano de saúde, a paciente teve que custear todo o procedimento e internação. Ao todo foram gastos mais de R$ 9 mil.
- Não tínhamos esse dinheiro na hora, mas tive que providenciar para entrar no hospital. Fique em frente, numa maca até conseguir todo o dinheiro, pois era um gasto que não estava previsto. O Luciano precisou cobrar clientes em atraso para podermos juntar o valor e pagar pelo procedimento. Nossa preocupação era com o resultado da cirurgia, afinal, era a esperança de ter minha perna nas melhores condições possíveis.
A espera durante a cirurgia parecia interminável para o namorado Luciano, os irmãos e amigos que aguardavam por notícias no Hospital. Foram quatro horas de procedimento. A expectativa era que Elaine recebesse uma prótese como a de Anderson Silva: uma haste intramedular que daria sustentação e facilitaria a calcificação dos ossos. A perna de Elaine deveria manter o mesmo cumprimento e a recuperação seria rápida e definitiva.
Mas a pior fase da recuperação estava por vir. Já no quarto, Elaine voltou da anestesia geral com muita dor. O joelho que desde o incidente não havia sido flexionado precisou ser movimentado para evitar a atrofia. Mas as dores não passavam e o raio-x indicava que a prótese ficará alta demais, prejudicando o joelho.
- Em um dos dias de internação pós-cirúrgica uma enfermeira veio me dar banho e quando ela pegou no meu joelho gritei e chorei de tanta dor. Ela achou que estivesse com manha e ignorou meu apelo. Logo depois retornou ao quarto para me pedir desculpas. Disse que não tinha visto antes o meu raio-x e lamentava a dor. Foi ela que me disse que a haste estava mais acima que o normal.
O corporativismo da classe médica impediu que Elaine conseguisse uma segunda opinião profissional sobre a cirurgia. Sem ter mais o que fazer, a bióloga recebeu alta para voltar para casa e se recuperar.
RETORNO
Elaine acordou no dia 17 de abril mais animada, com a expectativa de alta. Naquela mesma noite foi liberada pelo médico para retornar para casa. Elaine estava acompanhada do namorado, que permaneceu em Toledo durante todos os dias de internação. Como Luciano retornaria no carro do casal, a jovem teria que ir sozinha na ambulância. Foi quando a namorada do irmão resolveu acompanhá-la.
Qualquer movimento da perna e joelho fazia com que Elaine gritasse de dor. A ambulância da Prefeitura de Guaíra, que buscou a jovem, percorreu todo o percurso de Toledo a Guaíra, mais de 100 quilômetros de distância, a cerca de 20 quilômetros por hora. Em alguns trechos seguiu pelo acostamento para evitar a trepidação dos buracos na BR 163.
Durante todo o percurso Elaine revezou entre gritos, choro e reza. A cunhada se limitava a chorar junto e suplicar a Deus. A viagem feita de carro em 1h10 em média, levou cerca de 3h, que pareceram ainda mais.
Em Guaíra um novo drama. Elaine precisa retornar para o apartamento e uma nova missão de guerra foi organizada para levá-la ao terceiro andar do prédio. Foram várias tentativas, até que conseguiram com ajuda de amigos e familiares. Assim que a jovem foi posicionada na cama, espumou e desmaiou. O cansaço e esforço exigido na viagem e subida, associado a dor, esgotaram Elaine.
A emoção de ver a bióloga de volta ao lar foi substituída pelo desespero. A situação causou um grande susto nos amigos e familiares que estavam no apartamento. O SAMU foi acionado e para surpresa, quando chegaram ao local, minutos depois, Elaine já havia acordado e se quer puderam auxiliar, pois não levaram os materiais necessários para o atendimento.
SEGUNDA RECUPERAÇÃO
Apesar do apartamento próprio de seis cômodos, Elaine viveu exclusivamente no quarto por aproximadamente 28 dias. Por todos os lados do ambiente se podia perceber a situação. Desde as flores que recebia de amigos, até o colchonete no chão, que acolhia o namorado durante a noite.
A rotina exigia a colaboração de diversas pessoas. Elaine recebia diariamente uma enfermeira para refazer os curativos e aplicar injeções. Uma amiga e a irmã auxiliavam a jovem em tarefas de higiene pessoal e o namorado Luciano estava presente em todos os momentos.
Na busca de melhoria, Elaine começou a realizar fisioterapia diariamente. Cada dia era uma nova batalha e as evoluções, mesmo que pequenas, eram motivo de comemoração. Vencer a dor e o medo foi fundamental para as primeiras vitórias, como flexionar parte do joelho e apreender a andar de muletas.
- Depois de 28 dias na cama, pude tomar banho novamente no chuveiro, com a ajuda da cadeira de rodas. Chorei muito de emoção ao sentir a água correr pelo corpo. Foi um momento de felicidade, agradecimento e uma série de sentimentos misturados naquele momento.
Foi quase um mês até que a bióloga conquistasse a liberdade de circular pela própria casa. Dois meses depois, Elaine saiu de casa pela primeira vez. A cadeira de rodas e a muleta, antes inimagináveis, se tornaram itens fundamentais para a jovem.
Cada dia era uma surpresa. Durante a recuperação a bióloga passou por outros quatro procedimentos cirúrgicos para retirada de estilhaços do projétil de bala. Infecção, atrofia e necrose eram apenas algumas das ameaças, apesar do cuidado e da higiene rigorosos.
- Foi uma fase muito difícil. A recuperação foi sofrida, mas me fez refletir muito sobre a minha vida. Passei a valorizar cada pequena ação, como o simples fato de poder respirar sozinha.
TERCEIRA CIRURGIA
Em 2015, quase dois anos após o incidente, Elaine se sujeitou a uma terceira cirurgia para retirada da prótese, enxerto de osso e correção da perna, que estava consideravelmente torta e mais curta. O procedimento foi realizado por outro profissional. O médico que atendia a jovem e realizou as duas primeiras cirurgias foi preso em meio ao tratamento, acusado de cobrar de pacientes do SUS no HBJ em Toledo.
- O novo médico foi indicado por uma professora e a cirurgia me custou R$ 30 mil. Tive medo de realizar o procedimento, gastar um dinheiro que eu não tinha e passar por tudo de novo em vão. Mas hoje, poucos meses depois, só tenho motivos para comemorar. Me recuperei nesse período o mesmo que demorei quase um ano e meio.
Agora Elaine vive a expectativa de poder voltar a pôr os dois pés no chão para andar. Um questão de meses, segundo o ortopedista.
AMOR
Apesar das dificuldades enfrentadas por Elaine, o amor a manteve firme durante toda sua caminhada. O relacionamento de 12 anos da jovem e Josiano Pereira da Silva, o Luciano, se fortaleceu ainda mais com a situação.
Há pouco tempo morando juntos de fato, Luciano provou todo seu amor sendo prestativo em todas as necessidades da namorada. O companheiro viveu um momento de pânico ao cogitar a vida sem Elaine, assim que recebeu a notícia do incidente.
- Se eu precisasse cuidar dela o resto da vida nessa situação eu cuidaria, porque o mais importante é tê-la viva e graças a Deus não aconteceu o pior.
Além de acompanhá-la em todos os momentos do tratamento e recuperação, Luciano aprendeu a cozinhar e cuidar da casa em paralelo com o trabalho de mecânico, em sua própria oficina em Guaíra. O namorado dormiu por toda a recuperação em um colchonete no chão, ao lado de Elaine, que ocupava sozinha a cama de casal.
- O amor é isso. É companheirismo, é doação. Eu estive ao lado dela nos momentos de alegria nos últimos 12 anos e não poderia faltar nesse momento de dificuldade. Ela é a minha mulher e se eu precisasse faria tudo de novo.
O ponto de apoio encontrado no namorado também fortaleceu Elaine.
- Ele é maravilhoso. Pude contar com o Luciano em todos os momentos. Tudo, absolutamente tudo que ele pode fazer por mim, ele fez e faz. Meu amor aumenta a cada dia.
PREJUÍZOS
Os assaltantes que tentaram matar as vítimas foram detidos no mesmo dia do assalto, após diligências da Polícia Militar do município. Julgados, ambos foram condenados pelo crime. No dia do julgamento Elaine sofreu ameaças, mas se tem algo que a jovem aprendeu com toda a situação foi ter coragem, por isso superou o medo e cumpriu seu papel cidadão.
Elaine perdoou os assaltantes que por pouco não tiraram sua vida e a de seu colega. Mas todo o sofrimento decorrente do disparo trouxe a tona um questionamento frequente: porque?
A atitude desumana não só prejudicou momentaneamente a vida profissional e pessoal de Elaine. A bióloga, mestre em Engenharia de Pesca e professora universitária na Unipar campus Guaíra, sonhava em ser professora de uma universidade federal. Seus planos e dedicação até então, haviam sido voltados à realização desde propósito. Mas o incidente mudou tudo.
Elaine passou a ser enquadrada nos editais de concursos públicos para professora universitária em Biologia como deficiente física. Com isso, a profissional é considerada incapaz para desempenhar a função, pois é limitada em trabalhos de campo como bióloga e como professora, por não conseguir se manter em pé por muito tempo.
-Isso me chateou muito, mas continuo buscando. Com essa nova cirurgia acredito na minha recuperação total e na minha capacidade intelectual. É uma questão de tempo para voltar à ativa.
ATUALMENTE
Elaine segue a vida com determinação. Cada novo dia é uma nova batalha. A mudança brusca nos planos e na rotina não foi suficiente para afastar a alegria de viver da jovem. Pelo contrário, parece cada dia mais radiante.
Vítima da violência urbana, das deficiências da saúde pública e do preconceito, a bióloga se mantém focada nos sonhos de uma vida melhor, para si e para os outros. Depois de pensar na morte, Elaine se permitiu uma vida nova.
Além de retomar os estudos com a aceitação em um programa de doutorado da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), a jovem foi aprovada em um concurso público. Enquanto aguarda o chamamento, ela e o namorado, que se mudaram para uma casa nova, adotaram dois cães e fazem planos para o futuro.
- Não tenho mais a mesma pressa de antes. Eu ainda tenho as minhas ambições profissionais, mas isso não é o mais importante. Pretendo assumir o concurso e viver intensamente. Quero amar as pessoas que sempre estão ao meu lado e fazer o bem.
Hoje, quase dois anos após ser baleada, Elaine comemora a recuperação. A perna atingida já está quase totalmente normal, apesar das cicatrizes das inúmeras cirurgias, que levará para sempre. Mesmo com todos esses desafios, não abriu mão da liberdade.
Elaine dirige, vai ao médico sozinha e voltou a estudar. A esperança é o combustível da jovem sonhadora, o perdão uma virtude e a gratidão sua alegria, afinal, existe uma linha tênue entre a vida e a morte. Elaine chegou ao limite e aprendeu a maior lição de sua vida: valorizar o simples ato de respirar.
Da redação.