Aos poucos a selva de pedra vai ficando para traz. A paisagem da cidade vai dando lugar a uma vegetação um tanto quanto sem graça... o que restou do cerrado brasileiro. Após cerca de 40 km em direção ao Lago Oeste, um oásis surge no planalto central. A Rua 23 é conhecida em Brasília por abrigar diversas propriedades de produção orgânica, entre elas uma das principais agroflorestas do Brasil: o Sítio Semente.
São cerca de 5 hectares, que ao longo dos últimos 10 anos passou da terra amarelada, com pontos de alagamento e pedregulho, para uma área extremamente produtiva. A agrofloresta do Biólogo por formação, Juã Pereira, é reflexo do trabalho desenvolvido pelo mestre Ernst Götsch. O suíço iniciou um sistema agroflorestal há mais de 30 anos no sul da Bahia e hoje inspira jovens e adultos que apostam na inteligência da floresta para produção de alimentos.
Já são cerca de 2,5 hectares com plantio no Sítio Semente. Entre bananeiras, eucaliptos e outras espécies de árvores, uma variedade de frutas, verduras e legumes orgânicos são produzidos na propriedade para comercialização em feiras do Distrito Federal.
Para o biólogo, o atual modelo da agricultura convencional representa a escassez, enquanto que a agrofloresta trabalha com a abundância. “A monocultura é uma grande ditadura e o mercado é o ponto de venda. Na agrofloresta buscamos a sustentabilidade associada aos fatores econômico, social e ambiental. Não trabalhamos com a avareza, permitimos a concorrência das plantas e atuamos como manejadores para produzir o melhor alimento a partir da lógica da natureza”.
Além do corpo, Juã Pereira também alimenta o conhecimento. Todos os anos são formadas no sítio cerca de mil pessoas, por meio do curso de Sistemas Agroflorestais. “A nossa luta hoje é provar que a agrofloresta é sustentável e rentável. Eu já sei disso, mas preciso mostrar para os ambientalistas e todo mundo. Não temos uma receita, mas temos o nosso exemplo e de outros produtores pelo país”. Atualmente a Embrapa e o Emater-DF realizam pesquisas de viabilidade no Sítio Semente.
Depois de conhecer pessoalmente Ernst Götsch, o artista e agricultor, Antonio Gomides França, também se tornou um grande incentivador da agrofloresta no Brasil. O jovem que participou como voluntário da última formação no Sítio Semente, de 18 a 20 de março, trouxe consigo um aluno.
Martinho Barbosa é natural de Varzéa Queimada, no município de Jaicós, PI e tem o desafio de disseminar a agricultura sintrópica na comunidade. “Ele gostou muito. Com certeza será uma quebra de paradigma na produção alimentar da comunidade, que ainda vive da agricultura e até mesmo da subsistência. Esse meu desejo de trazê-lo foi justamente porque eu conheço o público que tem condições de participar do curso e acho importante que pessoas como o Martinho possam aprender e levar a agrofloresta para as regiões mais distantes”, comentou Antonio. “Espero que possa até o fim do ano ir até lá realizar um curso e um grande mutirão de agrofloresta, para mostrar ao mundo que o caminho é esse”.
Além de Martinho Barbosa, aproximadamente 60 pessoas participaram da formação. Durante os três dias, alunos de diversas áreas do conhecimento e de todos os cantos do país, além de estrangeiros, falaram a mesma língua e sotaque. “Viemos aqui para aprender com esse exemplo”, afirma a estudante de Agronomia, Ceres Cobra.
O sucesso do Sítio Semente não demonstra apenas a rentabilidade do sistema agroflorestal, mas principalmente, a possibilidade de reconciliação do homem com a natureza. Juã Pereira é apenas um biólogo na contramão dos ambientalistas, mas que, contraditoriamente, vai além quando o assunto é sustentabilidade. “A melhor coisa que você pode fazer na vida é uma agrofloresta bem feita. A segunda melhor é uma agrofloresta mal feita”, finaliza ao refletir sobre o aprendizado dos próprios erros.
Como funciona
Assim como na agricultura orgânica convencional, a agricultura sintrópica ou agrofloresta também utiliza a adubação para correção de solos extremamente degradados. Mas a partir do primeiro ciclo de colheita as próprias podas já garantem a melhoria do solo, que aos poucos não precisa de mais nenhuma matéria orgânica externa.
O grande segredo é a forragem do solo. “Produzimos consórcios de plantas e incentivamos a concorrência a partir do manejo. Uma motosserra serve para acabar com uma floresta ou para criar uma. O Ernest fala, pegue seu pior inimigo e o transforme em seu capacho e é o que fazemos aqui. Para nós, por exemplo, o eucalipto produz água”, explica Juã Pereira.
Entre canteiros de árvores estão também, canteiros de horta que podem ser substituídos a cada ciclo por frutas ou outros alimentos. Tudo é pensado para otimizar os recursos da natureza e garantir alimentos saudáveis e de altíssima qualidade.
Os arranjos, ou consórcios como Juã define, são organizados conforme o tempo que cada planta leva para se desenvolver e o extrato que ela ocupa, ou seja, a altura que atinge. Os cultivos podem ser formados por extratos baixo, quando ocupa até 80% do canteiro no andar mais baixo; médio quando ocupa até 50% daquele andar; alto os cultivos podem ocupar até 30% da área daquele andar; e emergente, em que as plantas podem ter mais de 7 metros de altura, ocupando 15% da área do andar. Esse desenho, conforme a taxa de ocupação de cada planta segundo a sua altura, forma o que o Sistema Agroflorestal chama do triângulo da vida.
Exemplos
Apesar de sozinho, Juã se enquadra na legislação brasileira como agricultor familiar – possui no máximo 20 hectares de terra e ao menos 51% da renda provém da propriedade. Mas além dele e demais exemplos de agricultores familiares, grandes produtores também tem apostado no sistema agroflorestal.
Em São Paulo, o empresário, Pedro Paulo Diniz, apostou na agrofloresta em grande escala e criou a Fazenda da Toca. Hoje a propriedade conta com um Instituto e industrializa produtos orgânicos com sua própria marca.
Fonte: Camila Andrade/ Redação