Entrei no ônibus. Sentei-me no banco alto ao lado da janela. É meu lugar favorito. Com os fones de ouvido ao som de Radiohead, eu olho ao redor com a cara de paisagem que já me é de praxe e me deparo com ela. Cabelos castanhos longos e ondulados, olhos caricatos cor de mel e um ar de superioridade que poderia fazer Grace Kelly curvar-se diante dela.
Naquele instante, milhões de pensamentos perambularam pela minha mente. Pensamentos e ideias malucas, claro. “Eu poderia descer no mesmo ponto que ela e fingir que vamos ao mesmo lugar” imaginei. “Não. Você é maluco, mas não maníaco”, me auto retruquei. Também poderia ter cedido meu lugar a ela, mas sou egoísta demais para dar meu lugar favorito do ônibus, ainda que fosse uma bela jovem.
“Oi, moça. Qual o seu nome? Vamos ser amigos? Mais que amigos, quem sabe? Você bebe cerveja? Cachorro ou gato? Seu gato se chama Barthomolew? Qual seu filme favorito?” um turbilhão de coisas na minha cabeça. Meus pensamentos estavam tão altos que eu já não conseguia mais ouvir a música que estava tocando no fone de ouvido.
Já estava quase na hora de eu descer do ônibus. Dei um sorriso tímido com o canto da boca enquanto passava pela roleta. Ela retribuiu. Uma surpresa, realmente. Já me imaginei no romance ‘Cinco Minutos’ com o José de Alencar ressurgindo dos mortos e escrevendo ‘Cinco Minutos: Versão Atualizada’. Viajei tanto nas minhas ilusões que esqueci de dar sinal para o motorista parar. Minha sorte que uma senhora iria descer no mesmo ponto que eu. Voltei à realidade. Desci do ônibus.
