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Solução do problema x status

Creio que ainda há uma vila chamada Ngon, na África Central, cujo maior problema era a falta de água. As mulheres tinham que percorrer quilômetros para conseguir água com suas vasilhas na cabeça. Na época da seca, a fonte praticamente secava (semelhante ao semi-árido brasileiro, não?). Era o ano de 1985 e o Comitê Local para o Desenvolvimento da Vila encontrou-se para discutir o problema da falta de água e encontrar uma solução.

03/09/2011 - 12:09


Duas linhas de ação foram propostas. O plano A consistia em contratar um cavador de poços profissional da região, que cobrava valores altos, mas não eram proibitivos. Ele projetaria e construiria um poço juntamente com banheiros e uma lavanderia, utilizando, inclusive, mão de obra da própria aldeia. O plano B resumia-se a escrever um documento dirigido ao governo central (a quilômetros e quilômetros de distancia) pedindo um grande sistema de adutores de água com tecnologia urbana. A chance de serem atendidos era muito reduzida. Muitas outras vilas também recorriam ao governo central para suas demandas. Porém, se Ngon conseguisse, a recompensa seria grande, especialmente para os membros do Comitê. A decisão pelo plano B foi unanime. Até onde se sabe a adutora nunca foi feita. Questionados sobre a escolha, os moradores disseram que apesar da falta de água, solicitar um pedido ao governo central era uma questão de status. E manter contato com o poder central era mais importante que ter um banheiro. Além disso, fazer um acordo com um cavador de poços seria um ato impróprio da dignidade oficial do Comitê Local para o Desenvolvimento da Vila. Havia um terceiro motivo: o cavador de poços era um fulani, povo do norte, pastores. E os membros da vila de Ngon eram boulou, povo agrícola. Segundo eles, nenhum boulou que se prezasse aceitaria ordens de um fulani. Esta estorinha está contada no livro de Freeman Dyson [1], importante físico, e nos alerta para o orgulho (científico ou não) de nossas decisões, de buscarmos às vezes, a solução que dá mais status e não aquela que realmente resolve o problema. Mais estorinhas em breve.

[1] Dyson, F. De Eros a Gaia. Tradução de Luiz Fernando Martins Estevez. São Paulo: Editora Best Seller, 1992.

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