Enviado ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo, no último dia 26 de junho, o projeto de lei nº 2614, que estabelece o novo Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2024-2034, reafirma compromissos com a precisão de diagnósticos, com o estabelecimento de metas exequíveis e com financiamento adequado.
Exigência constante do art. 214 da Constituição Federal, o terceiro PNE deve ser aprovado até 31 de dezembro de 2025. Essa é a data até a qual a vigência do plano anterior (Lei nº 13.005/2014), foi prorrogada, nos termos do projeto de lei nº 5665/2023, já aprovado e encaminhado à sanção do Presidente da República.
De acordo com o art. 6º do projeto de lei nº 2614/24, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão elaborar ou adequar seus planos de educação, também de duração decenal, em consonância com o novo PNE, no prazo de um ano, contado da data de publicação da lei. Tais processos observarão, obrigatoriamente, a participação de representantes da comunidade educacional e da sociedade civil, considerados os resultados das conferências de educação.
Sistema Nacional
Outra previsão que se renova é a que trata da instituição, por meio de lei, no prazo de dois anos, do Sistema Nacional de Educação, responsável pela articulação entre os sistemas de ensino para a efetivação das diretrizes, das metas e das estratégias do PNE.
O projeto do novo PNE foi elaborado pela equipe do Ministério da Educação (MEC), com base nas proposições do documento aprovado na Conferência Nacional de Educação (Conae) realizada em janeiro. Contou também com contribuições do grupo de trabalho instituído pelo Ministro da Educação, Camilo Santana, por meio da Portaria nº 1.112, de 13 de junho de 2023.
A etapa nacional da Conae, vale lembrar, foi precedida por conferências nos Estados e municípios, além de outros debates no Congresso Nacional e com representações da sociedade, a exemplo dos fóruns de educação, e dos conselhos de educação.
Situação atual
Na exposição de motivos interministerial (EMI nº 0040/2024), peça em que os ministros da Educação, Camilo Santana, da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra do Planejamento Simone Tebet submetem à apreciação do presidente da República aproposta do projeto de lei (que aprova o Plano Nacional de Educação – PNE/2024-2034), é traçado um panorama histórico e apresentada síntese da situação atual da educação nacional.
Com dados e outras referências, são apontados os desafios que se colocam à frente a fim de que, em regime de colaboração e de forma coordenada, os gestores da educação dos diversos níveis de governo se engajem para a concretização dos objetivos expressos no PNE e para o alcance de suas metas.
Em relação à educação infantil, por exemplo, o acesso avançou nos últimos 18 anos, mas a meta 1 prevista no PNE 2014-2024 não foi atingida. Remanesce assim o desafio de ampliar o acesso para 50% das crianças de 0 a três anos e de universalizar o atendimento a crianças de quatro a cinco anos.
Problemas
Para a faixa etária de 0 a 3 anos, a cobertura aumentou de 17%, em 2004, para 37%, em 2022. Já para as crianças de quatro a cinco anos, cuja matrícula tornou-se obrigatória a partir da Emenda Constitucional nº 59, de 2009, “a cobertura subiu de 72% (setenta e dois por cento), em 2004, para 93% (noventa e três por cento), em 2022”.
São muitos os problemas e deficiências apontadas, boa parte decorrente não apenas dos efeitos da pandemia, mas sobretudo dos desníveis regionais e da precariedade de estrutura das unidades escolares.
Segundo a EMI, “uma parcela substancial de escolas públicas que oferecem Educação Infantil enfrenta deficiências infraestruturais, como falta de rede de esgoto, banheiros adequados à faixa etária das crianças e ausência de espaços e recursos pedagógicos essenciais. Além disso, a formação e a experiência dos profissionais da Educação Infantil são áreas de alerta, com apenas 62% (sessenta e dois por cento) dos professores possuindo a formação adequada em 2022, havendo ainda grande disparidade entre as unidades da Federação.”
Permanência
No que diz respeito à alfabetização, o próprio Sistema de Avaliação da Educação Básica – Saeb (de 2019 e 2021) “aponta para uma diminuição significativa na porcentagem de estudantes alfabetizados no 2º ano do Ensino Fundamental”.
Constata-se, além disso, que o “acesso ao sistema educacional não garante a permanência e a conclusão dos estudos”. Apesar das altas taxas de cobertura educacional para crianças e adolescentes entre seis e 17 anos, há ainda muitas disparidades “relacionadas à renda, a recortes étnico-raciais e à localização geográfica”, conduzindo a “trajetórias irregulares e a não conclusão das etapas educacionais na idade apropriada, especialmente entre grupos em situação de vulnerabilidade social.”
Em relação à educação integral, reconhece-se grandes disparidades regionais. E a conclusão é uma só: por si só, “a expansão do tempo escolar não necessariamente se traduz em melhor qualidade educacional ou oportunidades de aprendizado.” A meta do PNE 2014-2024 de alcançar 25% (vinte e cinco por cento) das matrículas da educação básica e 50% (cinquenta por cento) das escolas em jornada integral permanece inatingida.
Educação Superior
Em relação à educação superior, dados mostram que cerca de 20% da população brasileira acima de 25 (vinte e cinco) anos concluiu um curso de graduação. No entanto, prosseguem as discrepâncias entre regiões e estratos sociais diversos, além de graves problemas em termos de qualidade dos cursos, em que se destaca a elevada relação aluno-professor, especialmente nas instituições privadas na modalidade de Ensino a Distância (EaD).
É significativa, sobretudo, a “concentração de matrículas em cursos de licenciatura oferecidos a distância por instituições privadas, representando 84% (oitenta e quatro por cento) do total.” O que, segundo os ministros, “pode refletir uma tendência de busca por formação de baixo custo, mas que pode não atender adequadamente às demandas por qualidade na formação de professores.”
No mesmo sentido, é preocupante a constatação de que a “expansão da Educação Superior no Brasil foi marcada por um crescimento substancial do segmento privado, especialmente das instituições com fins lucrativos. Em 2022, 88% (oitenta e oito por cento) das IES eram privadas, sendo 56% (cinquenta e seis por cento) delas com fins lucrativos.”
Novo PNE
A proposta do PNE 2024-2034 articula18 objetivos, 58 metas e 253 estratégias. Tem foco na qualidade da aprendizagem, na equidade e na inclusão, com vistas a reduzir as desigualdades educacionais em nosso país.
Entre os objetivos, temos: assegurar a alfabetização ao final do 2º segundo ano do ensino fundamental para todas as crianças; assegurar que crianças, adolescentes e jovens concluam o ensino fundamental e médio na idade regular; ampliar a oferta de educação em tempo integral na rede pública; promover a educação digital para o uso crítico, reflexivo e ético das tecnologias da informação e da comunicação; garantir o acesso, a qualidade e a permanência em todos os níveis e modalidades da educação indígena, quilombola e do campo; garantir a qualidade de cursos de graduação e instituições de ensino superior; garantir formação e condições de trabalho adequadas aos profissionais da educação básica; assegurar a participação social no planejamento e gestão educacional.
Na elaboração do novo PNE, o MEC preocupou-se em estabelecer metas “pautadas pela objetividade quanto aos conceitos e definições utilizados, sem deixar margem de dúvida quanto ao seu público-alvo”. Esse cuidado deu-se, inclusive, porque há recomendação expressa do Tribunal de Contas da União (TCU) nesse sentido, em razão dos inúmeros problemas detectados no processo de avaliação e acompanhamento das metas do plano anterior (ora prorrogado).
Acórdão do TCU
Em de 22 de maio de 2024, o TCU aprovou o Acórdão nº 969/2024-Plenário, relativo à análise do relatório da Unidade de Auditoria Especializada em Educação, Cultura, Esporte e Direitos Humanos referente ao 6º ciclo de acompanhamento do PNE 2014-2024. O relatório baseou-se em dados atualizados em junho de 2023, referentes aos indicadores do PNE, disponibilizados por meio de Power BI desenvolvido pelo Inep (Novo Painel de Monitoramento do Plano Nacional de Educação – PNE).
A fiscalização, porém, “deixou de avaliar metas em específico para abordar questões estruturantes que pudessem servir de subsídio para o debate em torno do próximo PNE”, processo já em andamento àquela altura.
Assim, a unidade técnica do TCU optou por identificar possibilidades de melhorias a serem adotadas na elaboração do PNE 2024-2034, não sem antes anotar, entre outras dificuldades, a descontinuidade no processo de monitoramento dos planos subnacionais.
Planos subnacionais
Essa falha grave foi consequência da mudança de gestão no Executivo federal em 2019, com a extinção, no âmbito do MEC, da Secretaria de Articulação Intersetorial e com os Sistemas de Ensino (Sase), e com a descontinuidade tanto da Rede de Assistência Técnica quanto do “PNE em Movimento”. As medidas resultaram em total ausência de coordenação das ações, “levando os entes federados a se articularem por conta própria, não havendo divulgação, de forma centralizada pelo MEC, de informações de monitoramento e avaliação dos planos subnacionais”.
Sob a relatoria do ministro Vital do Rêgo, o acórdão do TCU alinha uma série de recomendações ao MEC no sentido de aprimorar a sistemática de validação dos macroproblemas, de identificação de descritores com dados educacionais oficiais atualizados, entre outros aspectos.
Quanto ao processo de definição das metas do novo PNE, o TCU recomendou que fosse especificada a responsabilidade de cada ente no cumprimento de metas cuja execução possa ser atribuída a mais de um ente ou em que possa haver dúvida quanto a tal ônus, de forma a respeitar as atribuições descritas na Constituição Federal/1988 e na Lei 9.394/1996 (LDB).
O TCU recomenda ainda que o MEC elabore manuais de orientação para a realização do diagnóstico da situação educacional dos entes subnacionais e, com o apoio do Inep, realize cursos ou grave vídeos explicativos com o objetivo “de capacitar os gestores municipais a extraírem e utilizarem informações educacionais de interesse local nas bases de dados do Censo Escolar, Sinopses Estatísticas e Painel de Monitoramento do PNE”.
*Maria Cecília Ferreira é mestra em Ciências Sociais, especialista em Políticas Públicas e representante da OAB/Subseção de Toledo no Fórum Municipal de Educação.