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Apontamentos sobre a Nobel de Literatura Han Kang e seu romance A Vegetariana

A Academia Sueca ressaltou sua “prosa poética intensa, que confronta traumas históricos e revela a fragilidade da existência humana 
17/02/2025 - 10:31
Por Cleonice Alves Lopes
Cleonice Alves Lopes

Cleonice Alves Lopes

Cleonice Alves Lopes é poeta, escritora, mediadora de leitura, professora e mestra em Letras. A escrita e a leitura de poemas e contos são algumas das atividades literárias com as quais é comprometida, considerando-as também, atividades terapêuticas que a tem salvado em tempos de céu cinzento. Possui poemas e contos publicados em coletâneas e antologias com o coletivo Mulherio das Letras, tendo, inclusive, organizado uma Coletânea de contos em 2018 com o selo do movimento.



 A escritora sul-coreana Han Kang foi agraciada com o Prêmio Nobel de Literatura em 2024, tornando-se a primeira autora de seu país a conquistar essa honraria. A Academia Sueca ressaltou sua “prosa poética intensa, que confronta traumas históricos e revela a fragilidade da existência humana.” A escrita de Han Kang é amplamente reconhecida por sua profundidade emocional e estilo lírico singular. Suas obras frequentemente exploram temas como trauma, memória e a complexidade da condição humana, conquistando leitoras(es) ao redor do mundo com sua abordagem sensível e introspectiva sobre questões universais.

Entre suas obras mais conhecidas estão:
·                O Livro Branco (2016): A obra combina ficção e elementos autobiográficos, construindo uma reflexão sensível sobre a vida, a morte e o luto a partir de objetos brancos que evocam lembranças e sentimentos. No Brasil, foi publicada em 2023.
·               Atos Humanos (2014): Neste livro, Han Kang retrata o massacre de Gwangju, ocorrido na Coreia do Sul em 1980, por meio das vivências de personagens interligados pela tragédia. A narrativa examina as marcas deixadas pela repressão política e a luta por memória e justiça. A edição brasileira foi lançada em 2021.
·               Aula de Grego (2011): O romance apresenta a história de uma mulher que, após perder a fala, passa a frequentar aulas de grego clássico. A narrativa aborda questões de comunicação, isolamento e a busca por conexão humana.
·                A Vegetariana (2007): O romance acompanha a trajetória de Yeong-hye, uma mulher que, após um sonho inquietante, decide abandonar o consumo de carne. Essa escolha aparentemente inofensiva desencadeia conflitos profundos em sua vida pessoal e familiar. A obra explora temas como identidade, liberdade e resistência às normas impostas pela sociedade. No Brasil, foi traduzida e publicada em 2018.

No mês de janeiro, o Clube de leitura Leia Mulheres Toledo debateu o romance A Vegetariana. Trago alguns apontamentos feitos na troca literária que podem contribuir para despertar o interesse na leitura do livro, bem como, consequentemente, da obra completa de Han Kang.

O romance A Vegetariana, é uma obra de muitos modos perturbadora, não obstante, também é poética. Explora temas como identidade, controle do corpo, violência e resistência em uma sociedade repressiva. Dividido em três partes, o livro acompanha a jornada de Yeong-hye, uma mulher aparentemente comum que, após um sonho perturbador, decide parar de comer carne, uma decisão simples, mas que desencadeia uma série de reações violentas e coercitivas de sua família e sociedade.

A trama é contada a partir das perspectivas do marido de Yeong-hye, de seu cunhado e de sua irmã, o que cria uma sensação de distanciamento da protagonista, sugerindo que sua subjetividade é constantemente silenciada e distorcida pelos outros. A decisão de se tornar vegetariana não é apenas um ato alimentar, mas um símbolo de resistência ao controle patriarcal e social que busca moldá-la segundo expectativas alheias. Ao longo do romance, a transformação de Yeong-hye se intensifica, culminando em uma busca quase transcendental por libertação, ao passo que seu corpo se torna um campo de batalha entre desejo e destruição.

A prosa de Han Kang é minimalista e evocativa, criando uma atmosfera inquietante e onírica que envolve quem lê. A escritora aborda com sutileza temas como a violência doméstica, a repressão da mulher na cultura sul-coreana e os limites entre sanidade e loucura. A desconstrução gradual de Yeong-hye desafia as convenções sociais, questionando até que ponto alguém pode ser verdadeiramente livre dentro de uma sociedade rígidamente estruturada.

A obra também levanta questões filosóficas sobre o corpo e a mente, sugerindo que a recusa de Yeong-hye em se alimentar de carne é uma tentativa desesperada de purificação e fuga de uma realidade opressiva. A narrativa revela a fragilidade das relações humanas, expondo como os laços familiares e conjugais podem se tornar instrumentos de opressão.

Por fim, A Vegetariana é um romance inquietante e multifacetado que desafia quem o lê a refletir sobre os limites do controle social, os impactos psicológicos da repressão e a complexidade das escolhas individuais em um mundo dominado por expectativas sufocantes. Han Kang constrói uma história poderosa, repleta de simbolismo e profundidade, que permanece na nossa mente muito tempo após a última página.
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