A Lei nº 13.104, que incluiu o feminicídio no Código Penal, completou dez anos.
Sancionada no dia 9 de março pela então presidenta Dilma Rousseff, e vigente desde 10 de março de 2015, a lei foi resultado da aprovação do Projeto de Lei do Senado nº 292/2013 (na Câmara Federal tramitou como PL nº 8305/2014). Foi iniciativa da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre Violência contra a Mulher instituída pelo Congresso Nacional e que atuou durante 2012 e 2013.
A CPMI foi criada "com a finalidade de investigar a situação da violência contra a mulher no Brasil e apurar denúncias de omissão por parte do poder público com relação à aplicação de instrumentos instituídos em lei para proteger as mulheres em situação de violência." Parlamentares integrantes da CPMI realizaram um intenso trabalho, inclusive vindo aos Estados para audiências públicas e levantamentos. Ao final, foi produzido um relatório, com mais de mil páginas, aprovado e publicado em julho de 2013, sob a relatoria da então senadora Ana Rita (PT/ES).
RELATÓRIO
O relatório destacava, entre outras dezenas de propostas e indicações, a importância de tipificar o feminicídio, inclusive em razão da existência de recomendações internacionais, a exemplo das conclusões acordadas na Comissão sobre o Status da Mulher, em sua 57ª Sessão (março de 2013).
O feminicídio (assassinato de mulheres em razão do gênero) foi tratado, à época, como circunstância qualificadora do crime de homicídio. Inserido no Código Penal (art. 121, § 2°, VI, combinado com o § 2°-A) e entendido como o assassinato de mulheres em contextos de violência doméstica e familiar, em razão de menosprezo ou discriminação à condição de mulher, com pena de reclusão de 12 a 30 anos, e previsão de majoração em situações específicas.
NOVA LEI
Aliada à Lei Maria da Penha, a “lei do feminicídio” proporcionou ainda mais visibilidade à grave situação da violência contra as mulheres em nosso país, além de permitir o acesso a estatísticas mais fidedignas sobre a morte de mulheres em razão de gênero, uma vez que os processos criminais passaram a ser classificados por essa espécie de crime.
Em meio a controvérsias sobre a necessidade de operar alterações na legislação, o fato é que o Congresso Nacional aprovou em outubro do ano passado o chamado “pacote antifeminicídio”. Assim, em 10 de outubro de 2024, foi publicada a Lei nº 14.994, que alterou o Código Penal, a Lei das Contravenções Penais, a Lei de Execução Penal, a Lei dos Crimes Hediondos, a Lei Maria da Penha e o Código de Processo Penal.
Foram revogadas com a nova lei parte dos anteriores dispositivos do art. 121 do Código Penal, e inserido o art. 121-A:
“Art. 2º O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte art. 121-A:
“Feminicídio
Art. 121-A. Matar mulher por razões da condição do sexo feminino:
Pena – reclusão, de 20 (vinte) a 40 (quarenta) anos.
§ 1º Considera-se que há razões da condição do sexo feminino quando o crime envolve:
I – violência doméstica e familiar;
II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
§ 2º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime é praticado:
I – durante a gestação, nos 3 (três) meses posteriores ao parto ou se a vítima é a mãe ou a responsável por criança, adolescente ou pessoa com deficiência de qualquer idade;
II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental;
III – na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima;
IV – em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha);
V – nas circunstâncias previstas nos incisos III, IV e VIII do § 2º do art. 121 deste Código.
Coautoria
§ 3º Comunicam-se ao coautor ou partícipe as circunstâncias pessoais elementares do crime previstas no § 1º deste artigo.”
Criou-se novo tipo penal que autonomiza a conduta e agrava a pena - a maior pena dentre todos os crimes previstos no Código Penal-, e não mais se considera o feminicídio, portanto, como uma qualificadora do homicídio. No mesmo sentido, a nova lei estabeleceu outros dispositivos destinados a prevenir e coibir a violência praticada contra as mulheres.
O feminicídio, agora como crime autônomo, foi incluído expressamente no rol dos crimes hediondos (Lei nº 8.072/1990), que são aqueles insuscetíveis de anistia, graça, indulto, fiança e liberdade provisória.
Maria Cecília Ferreira é advogada, Mestra em Ciências Sociais, foi vereadora e Secretária de Políticas para Mulheres do Município de Toledo.