— Em meio a um cenário nacional que exige revisitação crítica das estruturas que sustentam desigualdades históricas, o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região realizou, em 28 de novembro, o seminário “Que Consciência Negra?”, reunindo ministros, especialistas, autoridades do Judiciário, representantes da OAB Paraná e pesquisadores de distintas áreas. O encontro consolidou-se como uma das iniciativas mais consistentes do ano ao articular racismo estrutural, formação jurídica, epistemicídio e novas dinâmicas tecnológicas que atravessam o mundo do trabalho.
A programação, realizada no Plenário Pedro Ribeiro Tavares, iniciou-se com uma abertura institucional que reuniu o desembargador Marco Antônio Vianna Mansur, a desembargadora Neide Alves dos Santos, a juíza Patrícia Benetti Cravo, o diplomata Paulo Pinheiro Machado, além de representantes das Comissões da OAB Paraná — André Luiz Nunes da Silva, Constance Moreira Modesto e Thais Poliana de Andrade. A composição da mesa evidenciou a intencionalidade do TRT-PR em articular o debate racial a políticas públicas, à diplomacia e ao sistema de justiça.
No Painel 1 — Letramento Racial, o Dr. Luasses Gonçalves dos Santos apresentou a exposição “O Racismo Institucional no Brasil”, oferecendo uma leitura histórica e contemporânea das engrenagens que reproduzem desigualdades no aparato estatal. Em seguida, a professora Sandra Suely Moreira Lurine Guimarães abordou “Letramento Racial e (In) Justiça Climática”, conectando desigualdade racial a impactos ambientais — tema ainda incipiente, mas de crescente relevância global. A juíza Sandra Mara de Oliveira Dias, debatedora da mesa, enfatizou que a compreensão do racismo institucional é requisito imprescindível para decisões judiciais que não perpetuem assimetrias históricas.
O Painel 2 — Epistemicídio e a Cor da Voz aprofundou a discussão sobre silenciamentos estruturais. A jornalista Edna Nunes, fundadora da Embaixada Solidária, apresentou “Trabalho, Dignidade e Pertencimento: a Construção de um Brasil Antirracista e Inclusivo”, ampliando o debate para incluir as vivências de migrantes e refugiados acolhidos pela instituição no Oeste do Paraná. Edna argumentou que a compreensão das desigualdades raciais no Brasil precisa necessariamente incorporar o fenômeno migratório — especialmente aquele protagonizado por populações negras vindas da África, do Haiti e da América Latina.
Em sua exposição, Edna ressaltou:
“O migrante não pode ser reduzido à função produtiva. Antes de alguém que trabalha, ele é alguém que pertence. A invisibilidade que recai sobre migrantes negros no Brasil é uma forma de violência simbólica que atualiza estruturas coloniais. Sem reconhecimento pleno, não há equidade possível.”
“O migrante não pode ser reduzido à função produtiva. Antes de alguém que trabalha, ele é alguém que pertence. A invisibilidade que recai sobre migrantes negros no Brasil é uma forma de violência simbólica que atualiza estruturas coloniais. Sem reconhecimento pleno, não há equidade possível.”
A mesa também recebeu a pesquisadora Paola Prandini, autora da palestra “Branquitude em pauta”, que examinou as dinâmicas de reprodução de privilégios raciais. A debatedora Constance Moreira Modesto, da OAB Paraná, reforçou a importância de tensionar a neutralidade institucional e de reconhecer que lugares de fala continuam sendo distribuídos de forma desigual.
Já o Painel 3 — Direito do Trabalho no Brasil: Formação e Desenvolvimento foi marcado pela intervenção do ministro Maurício Godinho Delgado, com a exposição “Direito do Trabalho no Brasil em busca do trabalho digno, da igualdade racial e da democracia”. O ministro recuperou marcos históricos e demonstrou como a legislação trabalhista brasileira nasceu atravessada por contradições estruturais. A pesquisadora Renata Caciquinho, em “Direito Sindical e inclusão interseccional no mundo do trabalho”, discutiu as estratégias de releitura sindical sob perspectivas raciais e de gênero. A debatedora Andreia Candida Vitor, conselheira estadual e diretora da Comissão da Verdade da Escravização Negra, sublinhou a necessidade de políticas que enfrentem desigualdades sedimentadas ao longo do século XX.
Encerrando a programação temática, o Painel 4 — Inteligência Artificial no Judiciário apresentou reflexões críticas sobre o impacto das tecnologias na produção de justiça. A juíza Camila Henning Salmoria expôs “Vieses Algorítmicos e Racismo Estrutural: o futuro não pode repetir o passado”, destacando que sistemas automatizados podem reproduzir — e amplificar — discriminações pré-existentes. A ministra Vera Lúcia Santana Araújo, também palestrante do painel, reforçou a necessidade de marcos regulatórios sólidos. O advogado e doutorando João Teixeira Fernandes Jorge, debatedor, chamou atenção para a urgência de rigor técnico e transparência na implementação da IA no sistema de justiça.
A programação foi encerrada com apresentação cultural conduzida pelo maestro Elias Neves e pelo cantor lírico Juares de Mira, seguida de coquetel no foyer.
A participação da Embaixada Solidária — instituição que se tornou referência na acolhida e integração de migrantes e refugiados — introduziu um elemento de alta relevância ao debate: a articulação entre raça, deslocamento humano, dignidade e pertencimento. Ao tensionar a visão utilitarista que historicamente recai sobre corpos migrantes, a fala de Edna Nunes reposicionou o migrante como sujeito político e cultural, não como recurso laboral. Essa abordagem ampliou a densidade do seminário e reafirmou que a discussão sobre equidade racial precisa contemplar as novas fronteiras de desigualdade que se manifestam no Brasil contemporâneo.






