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A identidade do Jornalismo e a Literatura

O movimento da contracultura surgido nos Estados Unidos, na década de 1960, foi muito mais do que um movimento cultural.

22/06/2016 - 17:07
Selma Becker

Selma Becker

Jornalista e mestre em Ciências Ambientais; ama sua prole; não acredita na verdade, mas a persegue! É apaixonada pelas letras e pela a agrofloresta.


Foi um movimento que se alimentou do espírito transgressor que questionava a ordem social alienada e consumista. Não foi um movimento apenas de hippes, ao contrário, mobilizou intelectuais que pensaram e discutiram a sociedade sobre outra ótica. E nesta nova perspectiva surge o Novo Jornalismo, um modelo mergulhado na subjetividade. Seus protagonistas foram Normam Mailer, Truman Capote, Tom Wolfe, Gay Talese.

O ponto de partida do Novo Jornalismo se dá pelo rompimento com a pirâmide invertida, inaugurando outro jeito de narrar os fatos. Compartilhando sua linguagem com as técnicas de literatura. Para melhor compreender esta relação é preciso entender o que marca essa identidade e no que a literatura inspira o novo gênero jornalístico.

O amigo Silvio Ricardo Demétrio escreveu em 2004 que tanto o jornalismo quanto a literatura, no que tange a “reconstrução da realidade” não pretende se impor como verdade absoluta, ao contrário a intenção é uma maior aproximação, ou semelhança com a verdade. E ainda, aponta que é na linguagem que se constitui a identidade entre jornalismo e literatura. “Afirmamos isto, e frisamos, em relação ao plano da linguagem. Isto coloca o jornalismo e a literatura numa relação de identidade a partir da materialidade da linguagem: a palavra”.

Para a semiótica a palavra é um signo e este por sua vez é ideológico, então ela não vai ocupar apenas o lugar de onde se fala, nem tão pouco, ser o representante do relato dos acontecimentos, mas sim, vai cumprir o papel de arte, de criar e recriar o próprio fato, assim a palavra constitui a identidade entre o jornalismo e a literatura.

A linguagem literária em diversos aspectos revela afinidades com o Novo Jornalismo, entre elas o propósito comunicativo. Pois, a literatura tolera a subjetividade e os conflitos, logo o leitor pode se distanciar da narrativa, não tendo no falante a comunicação da verdade, lhe possibilitando a interpretação das intenções do que foi comunicado.

J. Culler em seu livro Teoria Literária: uma introdução (1979) escreve que o objetivo estético de uma obra literária não tem apenas a função comunicacional, pois ela cativa e induz seu público através da relação forma e conteúdo. O autor pretende mostrar que a relação forma e conteúdo é o que possibilita a linguagem se tornar notícia. Neste sentido, a estética literária tem a preocupação com suas partes, ou seja, o que elas contribuem para o efeito do todo, que pode ser informar ou persuadir.

O Novo Jornalismo ao usar a literatura como instrumento narrativo se propõe a colocar a linguagem em primeiro plano para que a interpretação da narrativa seja múltipla e aberta, tal qual na literatura.

O autor afirma que a literatura é ‘um instrumento ideológico’, que tanto pode servir para legitimar ordens sociais, morais e hierárquicas, quanto ser um lugar onde a ideologia se mostre, como algo que está ali para ser estranhado, olhado com espanto. Desta forma, ela carrega intrinsecamente o poder de se valer como ideologia e ser a própria ideologia um potencial de autodestruição. “Na melhor das hipóteses, ela encoraja o distanciamento ou apreciação da complexidade e, na pior, a passividade e a aceitação do que existe”. (CULLER, 1979, 45).

O Novo Jornalismo trabalha com o que este autor chama de ‘melhor das hipóteses’, ou seja, se utiliza da linguagem literária para mostrar a ideologia, suas contradições, para animar o distanciamento, por que enquanto narrativa também constrói significados, e ao contrário do jornalismo tradicional, quer revelá-los.

Tanto a literatura quanto o jornalismo tratam os acontecimentos como ‘realismo social’, desta forma é na narrativa que habita a possibilidade de perceber como pode ser naturalizado as diferenças, as intolerâncias, os conflitos, e a ordem social. O Novo Jornalismo busca na literatura artifícios lingüísticos para induzir o seu público ao estranhamento do que foi mostrado e assim provocar o posicionamento, a interpretação.

O distanciamento discutido até então, remete a outra abordagem do estranhamento, que age em consonância com o Novo Jornalismo, a do teatro de Brecht.

A excepcionalidade obra do teatrólogo e poeta alemão, Bertolt Brecht  apontada por Bornheim (1992),   não está na arte em si, mas na forma pela qual ela se mostra, e revela as verdades que a constrói e explora os diversos temas. É nesse universo que o Novo Jornalismo se aproxima do teatro brechtiano.

No palco o teatrólogo deixava evidente a contradição de todo qualquer personagem, não queria naturalizar a ficção. Ao contrário arte e fato se mesclavam explicitamente. Queria personagens e público agentes de sua experimentação. Não pretendia naturalizar a miséria humana e a truculência da sociedade, pois entendia que o distanciamento que desejava provocar era uma prática política e social.

Para melhor compreender as intenções do teatrólogo é preciso retomar as definições de distanciamento que Brecht tinha como pano de fundo ao desenvolver sua arte, pois entendia que o estranhamento poderia influir no comportamento humano. A primeira consiste em, se distanciar de um acontecimento implica em separar deste o que é óbvio, notório, tudo o que pareça natural, e promover um olhar de ‘espanto e curiosidade’. A segunda trata como a ‘técnica do efeito de distanciamento’ pretende instigar o espectador a uma atitude crítica em relação ao que está sendo visto, por isso a arte era o instrumento. E a terceira provoca um efeito diferente da empatia que faz do habitual algo especial, ou seja, o distanciamento torna a experiência com os acontecimentos do cotidiano algo especial.

O teatro e o jornalismo têm a representação como afinidade. E o que determina a teatralização da informação é a forma como recorta, constrói seu roteiro, a que chama de notícia.

Tanto o teatro como o jornalismo são representações das vivências da sociedade, desta forma a prática política que está colocada para o primeiro se reitera para o segundo, mostrando que ambos não pretendem a neutralidade, ao contrário tem intenções, as quais se revelam na arte breachtiana e no Novo Jornalismo.

Para Brecht o fazer teatro tem uma razão política: “um meio que ajude o homem a dominar-se e a dominar o mundo”. Essa afirmação remete a idéia de um público ativo, que deixe de ser um objeto e se transforme em sujeito.

Nesta razão brechtiana se encontra um dos fundamentos de Tom Wolfe, protagonista do Novo Jornalismo, que é, narrar um fato é a arte de recriar a notícia, possibilitando novas formas de ler o que foi apresentado e produzir outros significados para aquilo que foi narrado.

Desta forma, ajudar o ‘homem a dominar-se e a dominar o mundo’ de Brecht, perpassa pela capacidade deste homem apreender outros significados de mundo, não percebidos anteriormente, assim poder assumir-se como sujeito político e intervir ou ‘dominar o mundo’.

O teatro de Brecht assim como o Novo Jornalismo pretende com o distanciamento a substituição de emoções sensacionalistas naturalizadas por ‘espanto’, para poder ver o que se comunica com maior profundidade, refutando o óbvio, imaginando a experiência ali apresentada com outro desfecho, percebendo que outras razões perpassam aquele conflito.  assim propiciando ao pdo 'do r o que estava por trcomo sujeito polduzir outros significados pum fato que comp

Provocar o estranhamento não é apenas usar uma estética diferente, mas um gesto político que busca uma reação de quem se espanta, por tanto o jornalismo é antes de tudo, uma prática política, por isso o papel do jornalista é determinante. Desta forma, este profissional não é um mero narrador da realidade, é alguém que participa de uma disputa política, ou seja, o que Gramsci chama de intelectual orgânico.

O papel do intelectual orgânico é: “acima de tudo, uma batalha cultural, para transformar a mentalidade popular e difundir as inovações filosóficas que provarão se historicamente na medida em que se tornam concretamente histórica e socialmente universais”. (GRAMSCI).

O profissional do Novo Jornalismo aproxima-se deste conceito, pois ao desejar o estranhamento do público em relação à narrativa, se instiga uma atitude crítica, um ‘dominar o mundo’, como pretendiam Brecht e Gramsci, desta forma o Novo Jornalista é um ‘intelectual orgânico’, usa da sua profissão para provocar o espanto e opor-se ao hegemônico jornalismo tradicional.

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