Bem, mas o que interessa aqui é deitar um olhar crítico sobre as matérias publicadas, grande parte delas enfatizando o papel do gasto público como fonte de inflação e também de ineficiência. Seria fácil fazer uma crítica a esta posição denunciando o caráter manipulador da grande imprensa, aliada do capital, do imperialismo, etc. Creio, entretanto, que, sem fundamento, esta crítica é tão fácil quanto empobrecedora. Desnecessário também é apontar o alinhamento desta com idéias conservadoras e com o neoliberalismo. Há neste sentido uma miríade de bons trabalhos acadêmicos que poderão ser consultados caso o leitor queira adentrar no assunto, tais como Os Arautos do Liberalismo de Maria Helena Capelatto e Maria Lígia Prado, apenas para ficar em um dos livros mais clássicos.
No entanto, a reflexão que proponho segue outro rumo: que papel cabe ao Estado numa sociedade pós-moderna e num mundo em franca globalização? Analisando este aspecto, o sociólogo espanhol Manuel Castels afirmou que ele está diante de um duplo desafio: de um lado, ainda é o velho Estado do século XX afeito à sua burocracia e às suas fronteiras; de outro lida com uma economia e com um fluxo de comunicações e de pessoas cada vez mais global.
Há, por outro lado, pressões crescentes por transparência e por democracia. São estes então, os desafios que se colocam, o que requer um corpo técnico preparado, sem sombra de dúvidas, e neste sentido, talvez então a sociedade deva refletir e exigir mais de seus governantes, cabendo ao Estado e aos governantes de turno, em contrapartida fornecer informações claras e precisas a respeito do que vem sendo feito com os recursos arrecadados. Mais do que isto, cabe a todos pensarmos em novas formas de prestação de contas por parte dos governantes que envolvam não apenas o dinheiro que é a eles repassado, mas também que se pensem em formas de dividir o poder de decidir com a sociedade.
Há já neste sentido, em diversas partes do mundo, iniciativas que se consolidaram, como os conselhos brasileiros, e diversas formas de participação como os plebiscitos venezuelanos, mas, em cima de todas elas observa-se, não raro repetidas vezes, o peso do poder governamental. As razões disto, para além da mera manipulação são o acesso privilegiado a informações, a infra-estrutura (telefones, computadores, veículos, etc) e mecanismos de coação. Não cabem pressões e organização por parte da sociedade para que estas correntes se rompam? Não podem ser os agentes públicos promotores e partícipes deste mesmo processo?
Existe, por outro lado, a visão daqueles que enxergam o gasto público como inimigo número um da estabilidade econômica e com isto voltam a pregar privatizações, num sério enviesamento no que diz respeito ao papel do Estado na economia, sobretudo na dos países em desenvolvimento.
Arvoram os defensores desta visão que o gasto público brasileiro está atingindo níveis intoleráveis e já ameaça a estabilidade econômica. Curioso é que estes mesmos defensores pregam privatizar empresas lucrativas. Já abordei e há embasamento suficiente na literatura que, nestes países o Estado desempenhou papel importante como motor do desenvolvimento econômico, exatamente pela “fraqueza” das classes sociais e que houve a necessidade de se pagar uma pesada conta do desenvolvimento vendendo empresas estatais, que é voz corrente nestes setores que são “ineficientes” e não possuem “metas de gestão”, prestando serviços de má qualidade.
Se houve um equilíbrio conquistado a duríssimas penas, é justo que agora que se vive um período de desenvolvimento se privatize empresas lucrativas?
Mais: sob quais critérios se deve medir a eficiência de um Estado? Creio que o primeiro deles deva ser o de verificar se suas ações estão promovendo o acesso à justiça, à cidadania e à igualdade. Por outro lado, será necessário averiguar também se estas ações estão permitindo a inclusão social.
Com relação à questão da gestão, creio haver engano por parte daqueles que dizem que o Estado, sobretudo as empresas públicas não possuem metas de gestão. Creio que a grande maioria as possui sim, assim como tem mecanismos de aferição de qualidade dos serviços prestados, a exemplo do que o Ministério da Educação vem fazendo com seus diversos índices e a exemplo de muitos numerozinhos pequenos nas contas de água e luz.
Neste sentido, uma ação essencial seria tornar público sob quais critérios a qualidade do serviço público está sendo medida e discutir com a sociedade mecanismos de aprimorar estes controles, lembrando que há benefícios da ação estatal que dificilmente poderão ser medidos, ou alguém conseguirá quantificar o preço de passear tranquilamente com sua família sob uma belíssima lua cheia sem correr o risco de alguma potencia estrangeira jogar uma bomba sobre suas cabeças?
Há maniqueísmos que são empobrecedores, portanto, de um lado se deve preservar a estabilidade econômica; de outro discutir e aprimorar novas formas de gestão e controle do gasto e do exercício da função pública, pensando sempre na justiça, na inclusão e na igualdade, tudo isto com a discussão o mais ampla possível com toda a sociedade: um desafio e tanto!