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OPINIÃO

Enlutados em luta

Como se não bastasse a morte das vítimas de Brumadinho, de Niterói, da violência do Rio e das cidades brasileiras, dos feminicídios que aumentaram assustadoramente e dos meninos do ninho do urubu, agora morremos mais um pouco com Boechat

11/02/2019 - 16:50
Camila Andrade

Camila Andrade

Curiosa por natureza e jornalista por formação. Sonha em ser cidadã do mundo e vive a lapidar a própria alma. Viciada em música, livros, viagens e café.


O mundo está em crise. O Jornalismo está em crise. Estamos todos em crise e alimentamos um a crise do outro. Sim, preciso ser repetitiva para enfatizar, afinal, ao que tudo indica, em 2019, o Brasil se tornou o epicentro desse cenário.

A história é longa, mas vou me reter aos últimos dias. Ontem fiquei até mais tarde na TV pesquisando normas de aviação – veja que ironia – em um horário em que ninguém da ANAC estava disponível para responder meus questionamentos. Mas bem informar é o trabalho de todo jornalista e a gente sempre faz o que pode.

No início da tarde, depois de acompanhar o noticiário e ver o trabalho incrível que os meus colegas fizeram para complementar as informações, me desliguei um pouco do mundo e sentei com Gabriel García Márquez. Eu sempre perco a noção de tempo quando estou com ele - lê-se com uma de suas obras. Mas hoje, em especial, meu celular vibrou mais que o comum e quando encontrei um ponto (Gabo não é muito fã de pontos finais) peguei-o para conferir as mensagens.

Ricardo Boechat morreu.

Para quem não sabe, Boechat, aos 66 anos, era apresentador do Jornal da Band e da rádio BandNews FM, além de colunista da revista IstoÉ. Ao longo da carreira trabalhou em jornais como o “O Globo”, “O Dia”, “O Estado de S. Paulo” e “Jornal do Brasil”. Ele ganhou três vezes o Prêmio Esso, um dos mais importantes do Jornalismo brasileiro.

Jornalismo esse, que vem sendo bombardeado incessantemente de uns tempos pra cá. E em uma guerra entre comunicação direta X imprensa, fake news X Jornalismo profissional perder Ricardo Boechat é, sem dúvidas, perder uma importante batalha.

Eu simplesmente chorei. E enquanto ainda refletia sobre sua morte inesperada recebi no privado do Instagram o vídeo de um ex-jogador de futebol com a legenda: Mídia suja. Não vou entrar no mérito dessa discussão, porque a história do cidadão em questão é longa e, fazendo uso de uma palavra que ele mesmo utilizou, polêmica.

Quero mesmo é falar sobre Jornalismo. Ricardo morreu em uma fatalidade. Mas diariamente jornalistas morrem por revelarem – pasmem – a verdade. Quando diante de um cenário como esse, uma nação rotula a mídia de forma generalizada, como suja, como inverídica, como farsa, ela sufoca sua própria liberdade. Sim, a imprensa é um instrumento da democracia e das liberdades.

O ano começou mais do que difícil. A crise se generalizou de tal forma, que passou de econômica e política, para humana, e se transformou em uma sucessão de tragédias. Antes de nos levantarmos lá vem outra rasteira e como se não bastasse a morte das vítimas da lama em Brumadinho, da enchente em Niterói, da violência do Rio e das cidades brasileiras, dos feminicídios que aumentaram assustadoramente e do fogo que queimou meninos e sonhos no Ninho do Urubu, agora morremos mais um pouco com Boechat.

Sim, foi uma fatalidade. Mas antes de Boechat todos nós, jornalistas, já utilizávamos máscaras para respirar, mesmo que inconscientemente. É que asfixia saber que Brumadinho repetiu Mariana por falta de respostas aos nossos questionamentos. Asfixia saber que o Ninho do Urubu repetiu a Boate Kiss pelo silêncio, compactuado por autoridades, dos responsáveis pela tragédia.

Quando um cidadão acredita que toda a mídia é suja e que a solução é uma comunicação direta, ele entra na câmara de gás conosco. Matamos pouco a pouco a nossa democracia quando admitimos que ao invés de coletivas, políticos e representantes, sejam de empresas, de clubes ou de entidades, que devem respostas à nação se pronunciem como querem e virem as costas.

Comunicação direta, como bem disse meu colega Leandro Demori, é blábláblá. Nós queremos perguntar. Nós queremos respostas. Boechat se foi, mas em sua memória e em memória de todos os inocentes, vítimas dessa crise sem fim em que se meteu o país, nós pedimos socorro. A mídia precisa da população e a população precisa da mídia. Somos uma só voz e mesmo enlutados continuamos lutando.   

 

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