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AMBIENTE

Agricultura Sintrópica auxilia produtores e ex-combatentes a recompor amazônia colombiana

A convite do projeto Territórios Caqueteños sostenibles para la Paz, o Movimento de Agroflorestores de Inclusão Sintrópica (MAIS) contribuiu em duas formações, por meio do agroflorestor, Pedro Faria

21/03/2019 - 14:37


O departamento de Caquetá, localizado na amazônia colombiana, foi uma das regiões mais afetadas pelo conflito armado que durou quase seis décadas e vitimou mais de 260 mil pessoas. A floresta - infiltrada por guerrilhas de esquerda, forças do Estado e grupos paramilitares de direita - também se tornou uma vítima da conflagração interna mais antiga da América. Até hoje a região apresenta as maiores taxas de desmatamento da Colômbia.

Mas, com as novas condições de paz firmadas no Acordo de La Habana, entre o estado colombiano e as Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia - Ejército del Pueblo (FARC-EP), o território de Caquetá vive um momento de reconciliação e consolidação da paz. Nesse contexto, o projeto Territórios Caqueteños sostenibles para la Paz (TCSP), em parceria com a Red Nacional de Agencias de Desarrollo Local de Colombia (Red Adelco) e o Instituto Marquês de Valle Flôr (IMVF) de Portugal promoveram dois cursos, na região, no modelo Escola de Campo.

Entre os convidados para participar da ação esteve o Movimento de Agroflorestores de Inclusão Sintrópica (MAIS). A iniciativa brasileira viabiliza, desde 2016, a formação de agricultores, organizações agrícolas e comunidades tradicionais, a fim de promover transformações sociais por meio da agrofloresta. O MAIS esteve representado pelo agroflorestor, Pedro Faria, pela segunda vez, em terras colombianas.

Segundo ele, os sistemas Agroflorestais Sintrópicos são uma ferramenta inovadora. “Eles permitem aos agricultores da região depender cada vez menos de insumos externos e caminhar cada dia mais em direção à soberania alimentar e à abundancia, sendo um conjunto de conhecimentos que tem muito a somar à realidade do território de Caquetá”, explica.

O ciclo de formação teve início com a capacitação teórica dos técnicos do projeto TCSP. Na ocasião foram apresentados os princípios e conceitos chaves da Agricultura Sintrópica, de forma participativa, incentivando-os a proporem soluções de plantio para os diferentes contextos atendidos pelo projeto.

Primeiro curso - O primeiro curso aconteceu em uma associação de produtores de rapadura (ASOPAGPA), localizada na Vereda Puente Albania, município de El Paujil. O objetivo foi apresentar uma forma de integrar os sistemas agroflorestais à realidade local com foco específico em sistemas silvo pastoris para gado de leite, que é a principal ocupação de terra da região.

O projeto possibilitou a participação dos produtores rurais provenientes dos municípios próximos La Montañita, El Paujil y Doncello além de organizações como Chocoamazonic, Fundación Picahcos, Universidad de la Amazonia, Asoapim, Pastoral Social e um indígena da etnia Witora. “Formamos assim uma construção coletiva de diálogo entre os saberes tradicionais, técnicos e científicos a respeito das melhores formas de manejo do território”, complementou Pedro Faria.

Durante do curso foi realizado o plantio de duas linhas de agrofloresta de 55 metros, separadas por 25 metros entre elas, nos piquetes já estabelecidos na propriedade. A ideia foi garantir a produção de alimentos para os produtores e para os animais, oferecer uma oportunidade de renda, além de gerar sombra para aumentar o conforto animal.

De acordo com Pedro Faria, também foram realizadas podas de árvores em uma área de produção de cacau da propriedade. “Mostramos a importância desta prática na renovação do sistema, como nos ensina Ernst Götsch”. As árvores podadas enviam informações de crescimento para o sistema ao rebrotarem, o que representa um efeito análogo a uma adubação nas plantas próximas. “Foi demonstrado a importância de se organizar o material podado de uma forma ordenada, para facilitar a sua transformação, e também para facilitar a semeadura de novos elementos no local” destaca.

As atividades foram complementadas pela introdução da criação de abelhas nativas sem ferrão. Foi demonstrado aos produtores como preparar um atrativo para abelhas Jataí, que são conhecidas na região como abejas Angelitas. Essa atividade foi acompanhada por um membro da Associação de Apicultores de La Montañita Caquetá (ASOAPIM), que complementou a atividade com um relato de sua experiencia como apicultor e meliponicultor na região.

O curso foi concluído com uma atividade de desenho de croquis agroflorestais em grupos. “Essa atividade reforça os conceitos aprendidos e estimula a criatividade dos produtores para pensarem soluções para cada realidade local”.

Segundo curso - O segundo curso aconteceu no Espaço Territorial de Capacitação e Reincorporação Héctor Ramírez (ETCR), das FARC-EP, situado no município de la Montañita, Vereda Aguabonita. No local vivem aproximadamente 200 ex-combatentes e mais 200 familiares. Eles buscam a consolidação de novos projetos de vida, principalmente por meio da agricultura, para inclusão e paz nesse novo momento do território de Caquetá. No local está sendo construída uma agroindústria para processamento de polpas de frutos da região e futuramente está prevista a construção de um laboratório de destilação de óleos essenciais.

O espaço territorial ETCR possui uma forte liderança feminina, que abraçou o projeto produtivo e demonstrou interesse em trabalhar com plantas medicinais e aromáticas. Atendendo a esse interesse, o sistema semeado no curso de sistemas agroflorestais foi com foco em plantas medicinais e aromáticas, onde foram realizadas 10 linhas de 21 metros. O projeto TCSP organiza ainda, nos próximos meses, cursos de etnobotânica e permacultura para aprofundar esse conhecimento.

Os participantes deste curso foram ex-combatentes, vizinhos, convidados da Universidad de la Amazonia, Fundação Picachos, associação de Mujeres Emprendedoras Cimientos del Hogar (ASMUECH), convidado guardião de sementes crioulas Don Ramiro Beltrán e a equipe técnica do projeto.

Construir a paz estabelecendo relações profundas com o território e com a natureza permite superar o conflito que tanto assolou a população de Caquetá. “Estudando e compreendendo a vida e seus mecanismos podemos cada vez mais caminhar em direção a abundância, e como afirma Ernst Götsch, a abundância nos conduz à paz”, concluí Pedro ao bradar: “Viva a agricultura Sintrópica!”.

MAIS - O Movimento de Agroflorestores de Inclusão Sintrópica (MAIS) nasceu em 2016 da vontade de um grupo de jovens em promover a fartura e a preservação ambiental, por meio da agricultura sintrópica. Inspirados nos ensinamentos do suíço Ernst Götsch, o trabalho do Movimento já financiou a formação em sistemas agroflorestais no Sítio Semente e em outras salas de aula, de dezenas de produtores pelo país.

Da redação.

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