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Alexy e sua fórmula para resolver o conflito na aplicação do Direito

Continuando o texto publicando noutro dia, ao qual se recomenda a leitura preliminarmente, passa-se agora a expor as linhas “mais gerais” da teoria de Robert Alexy, que busca uma racionalidade na aplicação do Direito, notadamente em casos difíceis, fundando-a na teoria do discurso.

02/07/2011 - 15:37


Alexy funda a sua teoria numa fundamental diferença entre regras e princípios. Com suas palavras, “regras são normas que ordenam algo definitivamente”. São “mandamentos definitivos”. As regras são publicadas e aplicadas através da subsunção. Há casos em que as regras assumem uma forma categórica, mas em sua maioria impõe certas condições para a sua aplicação. O importante é que, verificando-se no mundo dos fatos as condições para a sua aplicação, ou fato que enseja sua aplicação categórica, a regras exigem rigorosamente que se cumpra o seu mandamento. Se isso é feito, a regra é cumprida, caso contrário, não. Não há meio termo, pois as regras apresentam mandamentos de “tudo” ou “nada”. Um exemplo de regra é a previsão constitucional da aposentadoria compulsória aos 70 (setenta) anos para o servidor público. Verificada essa condição no mundo da vida, a regra impõe uma única solução: o servidor deverá se aposentar compulsoriamente. A atividade do operador do Direito, quando está diante de uma regra, assim, é fácil, basta fazer a subsunção (casos fáceis).

Já os princípios “são normas que ordenam que algo seja realizado em uma medida tão alta quanto possível relativamente às possibilidades fáticas e jurídicas” (Robert Alexy). São “mandamentos de otimização”, escreve o autor. Assim, os princípios caracterizam-se por permitirem o cumprimento em graus diferentes, a depender das condições fáticas e jurídicas. Quando se fala em princípios, já não é mais possível a fórmula “tudo” ou “nada”, pois admitem graus diversos de cumprimento, entre um extremo e outro. Entretanto, o objetivo será sempre buscar a aplicação do princípio na maior medida possível, pois são “mandamentos de otimização”. Encontrar o grau adequado do cumprimento de um princípio já não é tarefa fácil (casos difíceis), pois nem sempre é possível aplicá-lo na maior medida, pois pode ser limitado faticamente, como também por regras e/ou princípios em sentido contrário. Bem se vê que aqui já não se fala em subsunção, mas em ponderação. A ponderação é justamente o exercício da aplicação de um princípio mais amplo, chamado por Alexy como “princípio da proporcionalidade”. O princípio da proporcionalidade, aos olhos de quem não é jurista, nada mais é do que uma técnica para solução de casos difíceis, onde se exige a aplicação de princípios.

Na teoria do discurso de Alexy, esse “princípio de proporcionalidade”, mais amplo, resultante da ponderação, é decomposto em três princípios parciais: da idoneidade, da necessidade e o da proporcionalidade em sentido estrito. Os dois primeiros (idoneidade e necessidade) dizem respeito às possibilidade fáticas. Já no último (proporcionalidade em sentido estrito) indaga-se a respeito das possibilidades jurídicas (regras e princípios em sentido contrário).

IDONEIDADE. A idoneidade funda-se na idéia da otimidade-Pareto, que exige a análise do caso concreto visando descobrir se uma posição pode ser melhorada sem que nasçam desvantagens para outras. Caso seja possível melhorar uma posição sem prejuízo para as demais, o exercício obedece à idéia. Na mesma linha, só se justifica o emprego de um meio se tiver idoneidade para fomentar (otimizar) um princípio ou objetivo perseguido, embora com prejuízos a outrem. Assim, não há qualquer empecilho na aplicação de um princípio, na sua maior medida possível, se os demais princípios não sofrerem prejuízos. Ademais, igual decorrência é admitir a interferência se ela for idônea a melhorar o objetivo perseguido, embora causado prejuízos a outrem. Caso se elimine abstratamente a interferência e a conclusão for a ausência de prejuízo, tanto para o objetivo por ela perseguido, como para os demais, não se justifica a intervenção. Neste caso não há idoneidade. Assim, nas palavras de Alexy, “o princípio da idoneidade exclui o emprego de meios que prejudiquem a realização de, pelo menos, um princípio, sem, pelo menos, fomentar um dos princípios ou objetivos, cuja realização eles devem servir”.

NECESSIDADE. A fórmula otimidade-Pareto também serve para a necessidade. O critério da necessidade serve para escolher qual meio utilizar quando no mudo da vida há dois meios que fomentam igualmente um princípio ou um objetivo. Pode-se seguir a opção “a” ou a “b”, pois ambos atendem igualmente ao fim almejado. Qual opção escolher? Escolhe-se aquela que não intervém em outro princípio, ou a que causa menor dado, pois são opões que trazem menores custos para os princípios opostos. Isso significa que, havendo um meio não danoso, mas que igualmente satisfaz o objetivo, deve-se escolhê-lo.

Assim, a solução no choque entre princípios deve ser idônea, na medida em que deve fomentar o objetivo pretendido, descartando-se soluções que não tem idoneidade para alcançar esse fim (diria meu avô: “quem está com sede procura água e não fogo”). Deve ser necessária, admitindo-se intervenções no limite da necessidade, não se admitindo soluções que igualmente atingem o fim, mas com prejuízos a princípios contrapostos (meu avô diria: “não derrube o pé de laranja se você quer apenas apanhar uma fruta”). O problema é quando não é possível, no mundo da vida, pensar em soluções sem danos a princípios contrapostos. Quando se evita o dano a um princípio, mas cuja solução danifica um terceiro, ou quando a aplicação demanda sacrifícios inevitáveis, o caso torna-se ainda mais complexo, pois idoneidade e/ou necessidade somente não dão conta de solucioná-lo. Diria Alexy, “se custos ou sacrifícios não podem ser evitados, torna-se necessária uma ponderação”.

PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO. Se antes se falava de possibilidades fáticas, do mundo da vida, entre o “fazer deste modo ou daquele”, agora investiga-se as possibilidades jurídicas, uma vez que algum dano sempre ocorrerá. Se haverá danos, deixam-se as possibilidades fáticas para adentrar na disciplina jurídica, pois esse dano é disciplinado pelo Direito (ou deve sê-lo). Não esqueça que o Direito qualifica como ilícita a produção de danos, pois busca sempre evitá-los (ou minimizá-los, na pior das hipóteses). Assim, a solução que causa dano entra em conflito com o objetivo do Direito. Por outro lado, deixar de operacionalizar essa solução também traz danos. O dano é inevitável (como diria meu avô: “se ficar o bicho pega, se correr o bicho come”). Como decidir sobre qual é a melhor solução jurídica?

Aqui a técnica de Alexy não se mostra simples, demandando alguma atenção para compreendê-la. De igual modo é difícil explicá-la sem o socorro ao “juridiquês”. Não esqueça que, mesmo aplicando-se as técnicas da idoneidade e necessidade, explicadas acima, os danos persistem. Se fossem eliminados, o caso já estaria solucionado. Mas agora quer se implemente a solução, que se deixe de aplicá-la, os danos serão produzidos. Aplicando-se a solução não há dano ao princípio ou objetivo que ela visa alcançar (razão da existência da solução), mas há dano a um outro. Não a aplicando, o dano é produzido ao princípio que serviu de idéia inspiradora da solução, preservando-se o outro de danos. Assim, no mínimo há dois princípios em jogo aqui, sendo possível a existência de uma série deles. Cinge-se neste momento somente na análise da colisão entre dois princípios apenas, aqui chamados para fins didáticos de princípio P1 e princípio P2.

A análise jurídica deve então caminhar em três passos. No primeiro deve-se investigar o grau do não cumprimento ou prejuízo de um princípio. É sabido que a solução que busca satisfazer o princípio P1 traz danos ao princípio P2, pelo que é preciso medir a extensão dos danos a serem causados a princípio P2. A seguir, deve ser analisada a importância do cumprimento do princípio em sentido contrário. Se o princípio P2 sofrerá danos, deve-se pesquisar qual a importância do seu cumprimento (pois será em alguma medida descumprido com a aplicação da solução proposta). No terceiro passo, inverte-se: indaga-se se a importância do cumprimento do princípio em sentido contrário justifica o dano produzido pelo não cumprimento do primeiro. Se evitar danos em P2 trará danos a P1, procura-se saber se o cumprimento de P2 justifica os danos em P1.

Para operacionalizar, Alexy propõe classificar à vista de determinada solução o dano a um princípio em choque com outro em três graus de gravidade: “leve”, “médio” e “grave”. Seguindo-se os três passos acima enunciados, procura-se classificar o dano aos princípios P1 e P2. As questões são assim resumidas: a) com a aplicação de P1, o princípio P2 terá dano “leve”, “médio” ou “grave”?; b) E se for P2 o princípio a ser cumprido, o dano a P1 será “leve”, “médio” ou “grave”?

A solução almejada pode ditar, abstratamente, nove possibilidades: 1) P1 tem dano grave e P2 tem dano leve; 2) P1 tem dano grave e P2 tem dano médio; 3) P1 tem dano médio e P2 tem dano leve; 4) P1 tem dano leve e P2 tem dano grave; 5) P1 tem dano médio e P2 tem dano grave; 6) P1 tem dano leve e P2 tem dano médio; 7) P1 tem dano leve e P2 tem dano leve; 8) P1 tem dano médio e P2 tem dano médio; e 9) P1 tem dano grave e P2 tem dano grave. Nas possibilidades 1, 2 e 3, P1 prevalece sobre P2. Nas possibilidades 4, 5 e 6 é P2 que prevalece sobre P1. Nas demais há empate.      

Com ao cabo desse exercício já será possível saber qual é o princípio prevalente diante de determinada alternativa de solução. A solução deve ser aquela mais próxima do cumprimento do princípio prevalente. Se o caso for de empate (hipóteses de números 7, 8 e 9), a ponderação não indicará qualquer solução, caso em que a deliberação deverá passar pelo crivo do dador de leis (Poder Legislativo).

Para exemplificar, sabe-se que fumar causa câncer de garganta e outras doenças. A saúde é um princípio constitucional, posto em risco com a venda de cigarros (chama-se aqui esse princípio de P1). A mesma constituição federal tutela a “liberdade de profissão”, dizendo que é livre a atividade econômica (chama-se aqui esse princípio de P2). Proibir a venda de cigarros é uma intervenção grave no princípio P2 (liberdade de profissão). Permitir a venda incondicional de cigarros, fazendo-se cumprir o princípio P2 (liberdade de profissão), causa danos medianos ao princípio P1 (saúde pública). A solução então não é proibir a atividade. Já uma lei que obriga fornecedores de cigarro a colocar na embalagem uma advertência, no sentido de que fumar causa câncer, além de imagens de pessoas com essa doença, bem como que proíbe a venda de cigarros para menores de 18 anos, é uma intervenção apenas leve no princípio P2 (liberdade de profissão), diminuindo os danos à saúde pública (princípio P1). A solução passa a ser justificada racionalmente.

O leitor já deve ser capaz de solucionar outra questão. Veja: fumar em lugar público fechado é prejudicial à saúde pública. Há dois princípios em jogo, a liberdade do fumante (princípio P1) e a defesa da saúde pública (princípio P2). Agora faça a “conta” de Alexy e responda: uma lei que viesse a punir quem fuma em lugar público com uma pena de 30 (trinta) anos de cadeia traz uma solução que se justifica diante desse conflito de princípios? Essa solução em defesa da saúde pública acarreta danos à liberdade (inclusive de ir, vir e ficar). Esses danos são leves, médios ou graves? Qual solução produz danos mais graves, prender com 30 (trinta) anos de cadeia o fumante ou liberar o fumo em lugar público? Antes de responder, considere que o homicídio qualificado e o latrocínio, no Brasil, têm pena máxima também de 30 (trinta) anos. E uma lei que punisse o fumante com uma multa de R$ 200,00 (duzentos reais), R$ 300,00 (trezentos reais), ou R$ 500,00 (quinhentos reais)? Na ponderação, que escolha você faria?

A teoria de Alexy ainda tem muitos outros pormenores, devendo-se somar outras variáveis, como a prevalência abstrata de um princípio sobre o outro, de que é exemplo a prevalência da “vida” sobre o direito ao contraditório. Ademais, na “conta” de Alexy entra em jogo outra lei: “quanto mais grave uma intervenção em um direito fundamental pesa, tanto maior deve ser a certeza das premissas apoiadoras da intervenção”. Assim, as razões (premissas) para se afirmar que os danos são leves, médias e graves podem ser classificadas em “seguras ou certas”, “sustentáveis ou plausíveis” ou “não evidentes”. Como se não bastasse, há casos em que não apenas dois princípios estão em jogo, mas três, quatro... A tudo isso a decisão deve observar, tornando a “solução” por vezes um exercício complexo. Alexy chega a enunciar uma fórmula matemática complexa para a solução. Tudo isso fica para outro dia.

Por enquanto, não esqueça que um princípio é um “mandamento de otimização”, devendo “ser realizado em uma medida tão alta quanto possível”. E esse fim vale tanto para um princípio como para outro. Se houver dano a um deles, fica claro que um não foi realizado na medida mais alta, pois sofreu uma limitação. E essa limitação diz respeito às possibilidades fáticas, impostas pelos princípios da idoneidade e da necessidade, bem como pelas possibilidades jurídicas, ditadas pelo princípio da proporcionalidade em sentido estrito.

O objetivo ainda não foi cumprido, pois sem conhecer a fundo a teoria de Alexy ainda não será possível saber se ela é a solução para a racionalidade na aplicação do Direito e se essa racionalidade legitima decisões judiciais em casos difíceis. Essas são questões interessantes e que ficam para outra oportunidade, quando a teoria for exposta integralmente.

 

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