Publicado em 2014, Tudo é Rio é um romance de forte apelo psicológico e poético, que explora as relações humanas, os limites do desejo e as marcas da dor. A narrativa acompanha Dalva, Venâncio e Lucy, cujas trajetórias se entrelaçam de forma intensa e trágica.
Venâncio, um marceneiro de poucas palavras, carrega um passado de violência e impulsividade. Dalva, sua esposa, simboliza resiliência e pureza, sustentando emocionalmente a relação. Lucy, a prostituta mais desejada da cidade, desafia as convenções sociais com sua entrega ao prazer. O encontro entre os três desencadeia eventos que questionam os limites entre amor, ciúme, posse e redenção.
Com uma estrutura fragmentada e um fluxo narrativo que remete à fluidez do rio, a obra simboliza a inevitabilidade da vida e a impossibilidade de controlar o destino. Temas como violência doméstica, liberdade feminina, culpa e perdão são tratados com profundidade psicológica e lirismo. A prosa envolvente combina erotismo e brutalidade, compondo um retrato visceral das relações humanas, consolidando-se como uma obra singular da literatura contemporânea brasileira.
Publicado em 2021, Véspera explora as relações familiares e os impactos das escolhas ao longo do tempo. A narrativa acompanha Maria, cuja vida é marcada por silêncio, perda e ausência. Sua relação com a irmã Dora é permeada por rivalidade, ressentimentos e um amor inconfessado.
A estrutura fragmentada alterna passado e presente, revelando gradativamente traumas e segredos. Além das dinâmicas familiares, a obra aborda a passagem do tempo, a finitude e a espera, refletida no próprio título. A prosa de Carla Madeira se destaca pelo lirismo e pela exploração dos silêncios, que comunicam tanto quanto as palavras.
Com personagens densos e uma narrativa introspectiva, Véspera reflete sobre a fragilidade dos laços humanos e como o passado ecoa no presente. A obra reafirma a habilidade da autora em capturar a complexidade da condição humana.
Semelhanças entre os romances
Os romances compartilham temas e elementos estilísticos que marcam a escrita de Carla Madeira, tais como, a Complexidade psicológica, na qual personagens multifacetados vivem relações intensas. Em Tudo é Rio, o triângulo amoroso desafia as fronteiras entre amor e sofrimento. Em Véspera, Maria e Dora enfrentam um vínculo familiar denso, permeado por ressentimentos.
Há também uma estrutura fragmentada presente na narrativa, que intensifica o impacto emocional, pois, devido à não linearidade, revela segredos e motivações aos poucos.
No mesmo enlevo temos o peso do passado, que faz com que as personagens vivam sob a influência de escolhas pregressas e da impossibilidade de fugir do destino.
Outro ponto de semelhança trata-se do Simbolismo da água, pois Tudo é Rio usa a fluidez do rio para representar os ciclos da vida, enquanto Véspera enfatiza a espera e o fluxo do tempo.
O Erotismo e a brutalidade se mostram diversas vezes com o desejo e a dor se entrelaçando em ambas as obras, explorando os limites da condição humana.
Outra semelhança importante é o Estilo literário, haja vista que a escrita sensível e poética de Carla Madeira se destaca pelo lirismo e pela força emocional das narrativas.
Diferenças das narrativas
Há algumas diferenças nas narrativas que chamam a atenção e enriquecem a obra. Inicialmente nota-se a Natureza dos conflitos, que Tudo é Rio foca em relações amorosas, traição e redenção e Véspera enfatiza laços familiares, rivalidade e memória.
Além desse quesito, o Ritmo narrativo complementa as diferenças, uma vez que Tudo é Rio é intenso e marcado por reviravoltas, enquanto Véspera tem um ritmo contemplativo, guiado por lembranças e reflexões.
Em ambas os romances as protagonistas femininas se afiguram. Lucy desafia convenções com sua sexualidade, e Dalva encarna resiliência. Maria e Dora, por outro lado, vivem uma relação silenciosa, carregada de culpa e ressentimento.
Outro ponto de destaque é o tratamento do tempo, tendo em vista que Tudo é Rio trabalha com flashbacks pontuais, enquanto Véspera constrói a trama na relação entre passado e presente.
Tudo é Rio é marcado por erotismo e violência; Véspera é introspectivo, abordando angústia e espera. Essa atmosfera se manifesta alterando o clima das relações.
Do mesmo modo silêncio e palavra se revezam nas funções que lhes cabe. Pois, se em Tudo é Rio, o silêncio é rompido por explosões de emoção, em Véspera, ele esconde segredos e revela distanciamentos.
Carla Madeira se destaca por uma escrita sofisticada, marcada por lirismo e profundidade psicológica. Em Tudo é Rio, a fluidez da narrativa reflete o fluxo da vida, trazendo uma carga emocional intensa por meio da alternância entre brutalidade e ternura. A presença de personagens femininas complexas, como Lucy e Dalva, reforça a abordagem crítica da autora sobre papéis de gênero e sexualidade.
Já em Véspera, a construção da atmosfera é mais introspectiva, e a narrativa convida quem lê a refletir sobre o peso das escolhas e do tempo. A estrutura fragmentada e a presença do silêncio como elemento narrativo aprofundam a experiência literária, revelando camadas de significado de maneira sutil e eficaz.
A habilidade da autora em explorar emoções humanas profundas e em criar personagens que transitam entre dor e redenção consolidam seu lugar na literatura contemporânea brasileira. Suas obras dialogam com a tradição literária nacional ao mesmo tempo que inovam na abordagem de temas universais.
Tive contato com o universo de Carla Madeira por meio do Leia Mulheres Toledo, que em janeiro de 2023, fez a leitura de Tudo é rio.
Recomendo a leitura das narrativas para conhecer a escritora e tomar parte das personagens e suas histórias. As obras podem ser encontradas na livraria Arco-íris de Toledo.
Referências
BARTHES, Roland. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 2009.
CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. São Paulo: Ouro sobre Azul, 2004.
MADEIRA, Carla. Tudo é Rio. Belo Horizonte: Quixote+Do, 2014.
MADEIRA, Carla. Véspera. Belo Horizonte: Quixote+Do, 2021.
