Em seu romance de estreia, Conversas entre Amigos, Sally Rooney nos apresenta a um quarteto de personagens que vive a complexidade das relações e das comunicações em um mundo contemporâneo. A trama se desenrola entre Frances e Bobbi, cuja amizade é tão intensa que a linha entre o platônico e o romântico se dissolve. A chegada da atriz Melissa e de seu marido Nick introduz uma nova dinâmica de atração e ciúme, forçando todas a confrontarem suas emoções mais profundas.
A narrativa é construída sobre um alicerce de diálogos que parecem ecoar um cansaço familiar aos nossos próprios dias. As falas são dadas lentamente, quase com desânimo, como se as personagens estivessem dividindo a atenção entre a conversa e o celular, ou entre a mensagem e o vazio à frente. São conversas que não progridem, refletindo um desalento que habita o subtexto, mais forte do que qualquer palavra dita.
Essa inércia na comunicação, no entanto, não impediu o livro de ser uma escolha para o Coletivo de Leitura Leia Mulheres Toledo, que o elencou para seu debate de agosto em celebração às pautas LBTs. O mês de agosto é um marco de luta, que simboliza a visibilidade lésbica e bissexual, com datas de destaque como os dias 19 e 29, dedicadas à luta por direitos e ao combate à lesbofobia e à bifobia.
A crítica disponível em textos sobre a obra aponta que a escritora explora relações que fogem do convencional, onde a identidade e a sexualidade são fluidas e o que é pessoal se confunde com o político. As indicações que levaram a essa escolha destacam o fato de que Rooney tem boa receptividade em leitoras da geração millenial, e a obra apresenta um retrato cru das inseguranças e do jeito peculiar desse público de se comunicar, ou até mesmo de não se comunicar. Assim, é salutar que a narrativa esteja entre as mais votadas num coletivo de leitura plural e aberto a diversidades que incorpora em sua curadoria temas que fazem parte do ordinário dos nossos dias.
A luta de classes nas entrelinhas
A autora irlandesa não escreve apenas sobre relacionamentos. Suas obras são permeadas por uma visão de mundo clara, enraizada em sua postura como feminista e marxista. Para Rooney, a economia e a estrutura de classes não são apenas cenários; elas são parte do DNA de seus personagens. Vemos isso em como o dinheiro e o status social influenciam as escolhas e a intimidade de Marianne e Connell, em Pessoas Normais. O drama silencioso da desigualdade é tão presente que se torna um personagem invisível, ditando o rumo de todas as conversas e a inércia que as caracterizam.
A caneta se transforma em bandeira
O posicionamento político de Rooney, no entanto, vai muito além das páginas. Ele se manifesta em ações públicas que a colocou no centro de debates globais. Em 2021, em um ato de solidariedade ao movimento Boycott, Divestment and Sanctions (BDS), a escritora recusou a tradução de seu livro Beautiful World, Where Are You para uma editora israelense. A decisão foi um ponto de virada, deixando claro que para ela, a arte não pode ser dissociada da política, especialmente da luta por justiça social.
A postura política de Rooney se reflete também na forma como ela vê a sua própria arte. Após a grande repercussão da adaptação de sua obra Pessoas Normais, a autora expressou uma certa apreensão com a tradução de seus romances para outras mídias. Ela já comentou que o romance, para ela, é uma forma de arte intrinsecamente privada e interna, e que o processo de adaptação para a televisão, com sua imensa exposição e mercantilização, pode diluir a essência de sua obra.
Neste ano, Rooney deu um passo ainda mais ousado. A escritora anunciou que usaria seus lucros para apoiar a Palestine Action, uma organização que confronta a indústria de armas. Sua justificativa foi transparente: se defender os direitos humanos a tornasse uma apoiadora do terror sob a lei, ela estaria disposta a aceitar a definição.
A trajetória de Sally Rooney nos ensina que, para algumas autoras, escrever e se posicionar são a mesma coisa. Sua literatura não é um escape da realidade, mas uma forma de nos fazer encará-la, de frente. A escritora e a ativista são uma só, e sua obra é um convite para pensarmos sobre como nossas escolhas, tanto as literárias quanto as políticas, têm o poder de transformar narrativas e desafiar o status quo.
Cleonice Alves Lopes





