Não é ‘mimimi’. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, a cada 11 minutos um estupro é notificado no Brasil e a cada uma hora e meia, uma mulher morre no país por causas relacionadas a violência, em sua maioria, cometidas por homens. O aumento no número de casos pode estar relacionado ao que, de uns tempos pra cá, tem disso chamado de ‘cultura de estupro’, que nada mais é do que a maneira como a sociedade culpa as vítimas de assédio sexual e normaliza o comportamento sexual violento dos homens.
A discussão é nacional, mas não obstante desta realidade, Toledo, no oeste do Paraná, reflete os efeitos dessa cultura do estupro em casos cada vez mais frequentes. Na primeira semana do ano, a cidade já registrou um caso de estupro: Uma garota de 22 anos, moradora de Cascavel, estava em um estabelecimento comercial e decidiu aceitar a carona de um rapaz, que a levou para a casa dele na zona rural, onde a obrigou a manter relações sexuais.
Segundo o relato feito à Polícia, a vítima só conseguiu se livrar do agressor, pois aproveitou que ele estava embriagado para conseguir fugir à procura de ajuda, até que foi encontrada pela Polícia Rodoviária e levada à delegacia. O suspeito do crime, de 31 anos, foi preso às 7h30 da quarta-feira (4), em flagrante. “Com ele ainda foram encontradas três armas de fogo e mais diversas munições de uso restrito”, contou a delegada da Polícia Civil, Fernanda Lima.
O caso vai ser levado ao juíz para determinar se o suspeito do crime será mantido preso ou será solto. Já a vítima será encaminhada a Secretaria de Política para Mulheres de Toledo para um acompanhamento psicológico.
A notícia repercutiu nas redes sociais de toda a região, mas o que mais chama a atenção são os comentários deixados por internautas, em sua maioria, mulheres:
“Por isso que acho feministas um cúmulo! Daqui a pouco vai ter mulher falando que o cara que é totalmente culpado, mas ela é mais por ter aceitado carona de desconhecido, faça me o favor, pediu pra levar mesmo”
“De madrugada aceitar carona de um desconhecido é pedir pra ser abusada”
“Uma mocinha aceitou carona perto de um bar na madrugada......Capaiz.....Kkkkkk....E o que fazia uma mocinha num buteko de madrugada sozinha......Kkkkkk..
.Tá bom.....”
Uma inversão de valores: ao invés de educar os homens para respeitar as mulheres, a sociedade ensina as mulheres a terem medo dos homens. “Não é falta de policiamento, mas questão da cultura, a qual os homens acham que tem algum poder sobre a mulher e podem usar do corpo dela como bem entender”, ressaltou a delegada.
HISTÓRICO – Em 2016, Toledo, que possui pouco mais de 132 mil habitantes, registrou 12 casos de estupro, ou seja, uma média de um caso por mês. Segundo a delegada Fernanda Lima, a maioria foi contra vulneráveis. “Muitos destes foram com vítimas vulneráveis, ocorridos dentro da própria casa e por algum parente ou responsável”, destacou.
Um dos casos que mais chamou a atenção no ano passado foi o de uma estudante, que denunciou a violência sofrida, em junho. O agressor era um colega de faculdade com quem ela chegou a ter um relacionamento, o que motivou uma manifestação de estudantes pelo fim da violência. Segundo relatos, ela sofreu violência sexual, psicológica e até ameaçava de morte durante seis meses antes da denúncia.
DENÚNCIA - Embora seja um crime que abala muito o psicológico das vítimas, a delegada afirma que é sempre importante procurar a polícia. “É algo que dificilmente ocorre, pois muitas delas querem esquecer e não precisar relembrar o fato na delegacia. É por conta desse tipo de reação que grande parte das vítimas não denuncia os estupros e outros tipos de violência que sofre”.
Estima-se que apenas 30% das vítimas denunciam seus agressores. Um exemplo, é o caso de uma universitária de 20 anos, que prefere não se identificar. Ela passou por uma situação semelhante ao caso registrado essa semana, mas em 2015, e optou por não levar o crime às autoridades. A jovem conta que estava em uma festa com algumas amigas e começaram a conversar com uns rapazes. “No fim, um deles me ofereceu carona e eu aceitei. Quando vi que ele estava tomando um caminho diferente, pedi para parar o carro e foi quando ele tentou abusar de mim. Eu comecei a gritar por socorro e após um tempo ele parou e me deixou em uma estrada rural. Depois disso, eu liguei para a minha família e optei por não denunciar devido até hoje ser um assunto delicado para eu abordar”, declarou a estudante.
A universitária partilha do pensamento de que a cultura ensina as pessoas a não serem estupradas, em vez de ensiná-las a não estuprar. “Ainda assim, quando um estupro acontece, a primeira coisa que as pessoas pensam é se a vítima está realmente dizendo a verdade. Isso não acontece com outros crimes. Na época em que aconteceu isso comigo, eu tinha uma mentalidade completamente diferente. Tinha medo de sair com roupa curta mesmo no verão. Me sentia culpada, envergonhada sem saber que a cultura do estupro está enraizada na nossa sociedade”, finalizou a vítima.
Da redação. Autor: Daniel Felício.