Não é fácil fazer um grupo de crianças e adolescentes, entre 6 e 14 anos de idade, acostumados a brincar e agitar o dia todo, parar por alguns minutos e praticar meditação ou conversar a sério. Mas é um desafio que a bióloga Thais Regina Marcon topou e vem desempenhando, com sucesso, na Associação Fraternidade Aliança (AFA), no bairro Porto Meira, em Foz do Iguaçu.
Com os alunos da AFA, Thais trabalha a permacultura, uma ciência holística e de cunho socioambiental, por meio de diversas atividades que têm como objetivo a criação de ambientes humanos sustentáveis e produtivos, em equilíbrio e harmonia com a natureza. Essa é uma das ações que o Parque Tecnológico Itaipu (PTI) levou à Associação a partir de abril deste ano. Também estão sendo oferecidas às crianças e adolescentes oficinas de desenho e pintura e aulas de artesanato.
A Associação trabalha, há 27 anos, com projetos sociais voltados à comunidade. Atualmente, em um dos projetos, o Casa da Criança, atende 250 crianças e adolescentes de 6 a 14 anos em situação de vulnerabilidade social, que residem, principalmente, na Ocupação do Bubas, nos bairros Morenita 1 e 2 e no Porto Meira. As famílias são cadastradas nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), que encaminham as crianças à AFA.
No período do contraturno escolar, essas crianças e adolescentes passam três horas na Associação – que funciona de segunda a sexta-feira - onde desempenham uma série de atividades de cultura, esporte e lazer e recebem alimentação. A gestora de projetos da AFA, Suzane Amorim, conta que todas essas ações são pensadas com base em uma metodologia que aborda questões como direitos e deveres, participação como cidadão, ser protagonista, entre outras. “As crianças já trabalham esses temas, claro, cada uma de acordo com a sua faixa etária. Como atividade complementar elas participam dessas oficinas de cultura, esporte e lazer, que ajudam a complementar essa parte teórica”.
A gestora afirma que a parceria com o PTI permitiu que a instituição diversificasse, ainda mais, as temáticas tratadas nas oficinas. “Há muito tempo tínhamos o pedido das crianças e adolescentes para uma oficina de desenho, por exemplo. E nós não podíamos, até por ausência de recurso. Esse conhecimento que o PTI traz de outras experiências veio ao encontro do que eles pediam para nós”.
A AFA atende, ainda, 50 famílias que estão com os vínculos ameaçados ou fragilizados com os filhos por meio do projeto Guarda Subsidiada. Suzane diz que, nesses casos, o trabalho da permacultura “caiu como uma luva” e que a atividade tem tido alta aderência por parte das famílias atendidas pela instituição.
Cuidado pessoal e com o ambiente
A professora Thais conta que percebe muita carência entre pais e filhos, então promove dinâmicas como trocas de abraços, para encurtar os laços e fortalecer as relações entre eles. Nas oficinas, ela tenta resgatar tanto o cuidado pessoal, como as relações com o meio e as relações interpessoais. “Tudo isso pensando em uma maneira mais sustentável para viver”. As aulas envolvem respirações e meditações em contato com a natureza. A professora também faz atividades como dança circular, posições de yoga, horta e composteira.
Para Thais, que é bióloga e doutora em engenharia agrícola, o trabalho na AFA tem sido um aprendizado diário. Apesar de já ter ministrado oficinas de permacultura, lidava apenas com adolescentes do programa Vira Vida, no PTI. “Aqui são várias idades, crianças e adultos. É um teste diário: o que funciona para um, não funciona para outro e eu vou adaptando, mas é um crescimento pessoal muito grande e é a realização de uma esperança, porque eu trago para eles o que eu acredito como mundo e, toda a vez que eu reforço isso com eles, reforço isso em mim”.
Já faz cinco anos que Paula Vitória Matos da Silva, de 10 anos, frequenta a AFA. Ela só participou de seis oficinas de permacultura, mas diz que está gostando e até mudou alguns comportamentos, como cuidar melhor dos próprios materiais. “Jogava tudo no chão”, confessa. “A gente ‘tá aprendendo a ser obediente, respeitar os pais, respeitar os colegas, não fazer bullying”, exemplifica, sobre o aprendizado.
Milena Beatriz Soares Costa, de 9 anos, diz que ficava irritada com alguns barulhos da natureza. “Quando os papagaios ficam ‘papagaiando’ isso irritava quando a gente ‘tava estudando”. A professora Thais, nas oficinas de permacultura, a fez refletir que a natureza “faz bem para a nossa saúde” e Milena já aceita melhor os sons do meio ambiente, segundo ela.
Artesanato
Outro momento em que as crianças e adolescentes da AFA trocam a energia das atividades físicas, como a capoeira e a peteca, pela concentração para mexer com fio e agulha, são as oficinas de artesanato. A professora Cibele Cristiane Cordeiro comenta que os alunos, que estão na sétima aula, até o momento já aprenderam os pontos de costura do feltro e fizeram peças mais simples, como corações com pérolas, e agora começam a fazer peças mais elaboradas.
Cibele afirma que o artesanato ajuda a desenvolver a coordenação motora e a socialização das crianças e adolescentes. No início, a professora sentiu dificuldade em manter os alunos sossegados. “Mas, à medida que eles vão aprendendo e o trabalho vai ficando mais bonito, eles vão ficando mais satisfeitos com os demais alunos e com eles mesmos e vão tentando melhorar”.
As aulas de capoeira são a atividade preferida de Adrieli Leal, de 10 anos, na Associação, mas ela também está gostando da oficina de artesanato. A intenção dela é conseguir fazer uma boneca, “pra fazer minhas próprias bonecas”, revela. A colega dela, Julia Medina da Silva, 10, já levou até presente para a mãe e, atualmente, está aprendendo a fazer um “cupcake” (bolinho, em inglês). “É legal, é divertido fazer, só que tem que ter muita calma”, diz.
Expansão
As primeiras oficinas foram iniciadas em março de 2017 no Centro de Referência em Assistência Social – Norte (CRAS Norte), no Jardim Almada. A iniciativa faz parte de uma parceria entre o PTI e a Prefeitura de Foz do Iguaçu e, atualmente, é realizada em outras seis instituições da cidade.
A gerente de Educação e Cultura do PTI, Jéssica de Lima, conta que as oficinas de permacultura são viabilizadas por meio de um convênio com a Fundação Banco do Brasil, que tem como objetivo a replicação de tecnologias sociais. As instituições selecionadas para receber a ação cumprem os requisitos de atender públicos em situação de vulnerabilidade e se dispuseram a participar do planejamento das aulas.
Conforme Jéssica, o retorno, por parte das instituições, tem sito muito positivo. “Dentro das oficinas, elas têm conseguido tratar algumas questões pessoais que eram difíceis de conseguir em um atendimento em escritório”, destaca. Ela cita como exemplo o caso de um participante que revelou, em uma oficina, que tinha sido vítima de agressão em casa. “É esse vínculo que buscamos, do educador ter essa abertura para chegar nessas pessoas, que normalmente não estariam dispostas a compartilhar e que precisamos para que elas tenham, de fato, uma evolução”.