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CIÊNCIA

Novos estudos mudam paradigma sobre escada para peixes

Mais de 10 anos após a publicação de artigo científico que classificava as escadas para peixes como armadilhas ecológicas para espécies neotropicais, artigo científico revela o contrário. As estruturas podem sim ser eficientes na conexão de ambientes fragmentados por barragens

24/07/2019 - 13:25


Já pensou se no meio do seu caminho surgisse um imenso muro instransponível? Você se contentaria em viver em torno dessa barreira ou se arriscaria por um novo caminho, duvidoso e tão perigoso como qualquer via já conhecida, mas que sem dúvidas te levaria até o seu destino? Embora o exemplo seja apenas uma alegoria, ele representa a realidade de muitas espécies de peixes migradoras, no Brasil.

Usinas hidrelétricas criam cada vez mais barreiras no percurso de migração natural de espécies importantes. Já são mais de 200 usinas e aproximadamente 430 pequenas centrais hidroelétricas obstruindo os cursos fluviais brasileiros. Os dados são da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).

 Mas como se isso não bastasse, nem sempre a opção de um novo caminho é disponibilizada aos peixes que sobem o rio para desovar. Isso porque, em 2008, pesquisadores brasileiros publicaram um artigo científico no periódico "Conservation Biology", em que classificavam as escadas para peixes – estruturas construídas ao lado das barragens hidrelétricas para permitir a passagem dos animais - como uma “armadilha ecológica.” Segundo os pesquisadores, elas aumentam o risco de extinção dos peixes, pois os tiram de um ambiente onde eles têm condições de se reproduzirem, abaixo da barragem, e os jogam em um ambiente mais pobre, acima da barragem, de onde eles não conseguiriam retornar.

No entanto, uma das escadas para peixes citada como exemplo no artigo é agora a protagonista de um estudo que sugere o contrário. A Usina Hidrelétrica Engenheiro Sergio Motta, da Companhia Energética de São Paulo (CESP) fica localizada no alto rio Paraná. A UHE de Porto Primavera, como é conhecida, possui uma escada para peixes que vem sendo avaliada quanto a sua eficiência desde 2004 por pesquisadores da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). O trabalho conta com a parceria da Universidade do Mississipp e do Serviço Geológico dos Estados Unidos, além da Universidade de Valladolid, na Espanha.

Durante esse período de monitoramento, os cientistas documentaram de forma inédita movimentos bidirecionais, ou seja, de subida e descida de curimbas (Prochilodus lineatus) através da escada para peixes. Para chegar a conclusões válidas, um total de 1.419 peixes foram marcados com chips, soltos acima e abaixo da barragem e, continuamente monitorados por quatro anos, por meio do sistema RFID - “Radio Frequency Identification”. A hidrelétrica de Porto Primavera foi uma das pioneiras em utilizar esta tecnologia no Brasil, que permite rastrear e avaliar a eficiência e o comportamento dos peixes. A espécie foi escolhida por ser uma migradora de longa distância, além de possuir grande importância ecológica, econômica e social.

Os resultados da pesquisa foram publicados na revista científica internacional “River Research and Applications”. O artigo é resultado da tese de doutorado do biólogo Leandro Fernandes Celestino, do Programa de Pós-graduação em Recursos Pesqueiros e Engenharia de Pesca da Unioeste. “Nossos dados revelam que muitos peixes repetiram os movimentos de subida e/ou descida anualmente. Isso nos leva a acreditar que as escadas para peixes têm um papel fundamental para a ligação entre os ambientes fragmentados por usinas hidrelétricas, conectando os habitats acima e abaixo da barragem”.

Brasil - Embora pesquisas sobre esses mecanismos tenham iniciado na América do Norte e Europa, o Brasil já se destaca no cenário internacional. Prova disto foi o reconhecimento recebido pelos pesquisadores paranaenses no último congresso internacional sobre Passagens para Peixes, que aconteceu em Dezembro de 2018, em Albury, na Austrália. “Ainda há a necessidade da realização de estudos semelhantes para as outras espécies migradoras de longa distância, a fim de buscar desenhos e projetos mais adequados de escadas para peixes tropicais. Mas os resultados da pesquisa apontam que é um equívoco a percepção generalizada de que todas as passagens para peixes são obrigatoriamente ineficientes em rios neotropicais”, complementa Celestino.

Desde a classificação das escadas como “armadilhas ecológicas”, muitos empreendimentos hidrelétricos deixaram de construir escadas para peixes ou ainda, desativaram as estruturas já existentes. Mas com a descoberta dos autores do artigo, a esperança é de mudança neste cenário. “Escadas para peixes não são uma panaceia para resolver os problemas ambientais causados por represamentos. Pelo contrário, podem mitigar os impactos, permitindo a conectividade bidirecional, podendo manter as populações viáveis até que os avanços tecnológicos tornem as hidrelétricas obsoletas”, ressalta o orientador de Celestino, o Engenheiro de Pesca, Doutor Sergio Makrakis.

Os pesquisadores destacam que as construções de barragens em rios bloqueiam a movimentação dos peixes, impedindo que eles possam buscar áreas propícias para alimentação e, principalmente, para se reproduzirem. Assim, uma forma de diminuir este impacto é a construção de passagens para peixes, como elevadores, eclusas e escada para peixes, que possibilitem principalmente a migração reprodutiva, conhecida como ‘Piracema’. “As escadas para peixes realmente podem conectar os ambientes e possibilitar o fluxo genético, papel fundamental para a conservação das espécies”, comenta Makrakis.

Outros estudos já publicados pelo Grupo de Pesquisa em Tecnologia em Ecohidráulica e Conservação de Recursos Pesqueiros e Hídricos (Getech) demonstram isto. “Nós não podemos elaborar conceitos baseados em conjecturas. As discussões sobre implantação e avaliação de passagens para peixes no Brasil ainda são irrisórias”. Hoje menos de 10% das hidrelétricas da bacia do rio Paraná dispõe de passagem para peixes, o que na interpretação do pesquisador significa que os peixes estão impedidos de realizar a piracema em vários trechos. “Por exemplo, a UHE de Rosana, localizada muito próximo a foz no rio Paranapanema, um grande tributário do rio Paraná de quase mil quilômetros de extensão, não dispõe de uma passagem para peixes, impedindo assim que ocorra o fluxo genético da calha principal do rio Paraná para o tributário e vice-versa”, completa Sergio Makrakis.

Novos empreendimentos - Esses tributários, além de possibilitarem o fluxo genético, têm sido locais de grande ocorrência de reprodução e viabilização desses peixes migradores de alto valor comercial, como o curimba, a piapara, o dourado, o pintado e etc. Outro ponto que preocupa os pesquisadores é a pressão que muitos tributários, como os da bacia do rio Paraná, têm sofrido para construção de novos empreendimentos hidrelétricos. Segundo eles, em muitos desses tributários devem ser proibidas a construção de novos empreendimentos hidrelétricos, sendo transformados em unidades de conservação para viabilizar a preservação das espécies de peixes.

Resultados - Com base nos resultados do trabalho de monitoramento contínuo da UHE de Porto Primavera, os doutores Leandro Fernandes Celestino e Sergio Makrakis enfatizam que os antigos e os futuros empreendimentos hidrelétricos devem avaliar a necessidade de implantar escada para peixes, por ser o sistema de transposição mais adequado às espécies de peixes tropicais. As estruturas, segundo eles, possibilitam a conectividade bidirecional e de forma voluntária aos peixes. “Considerando que a maioria dos empreendimentos hidrelétricos possuem tributários acima de suas barragens, devido a necessidade de volume hídrico para a geração de energia, a partir de agora é inconcebível que o empreendimento não avalie a necessidade de dispor de uma escada para peixes”, salienta Makrakis.

A conclusão dos pesquisadores, publicada no artigo, é que enquanto os serviços de barragens forem necessários, o manejo ambiental por meio do uso de escadas de peixes deve continuar, como parte integrante de uma ampla estratégia de conservação das espécies nativas de peixes migradores. O fato é que, a não construção de escada para peixes, na maioria dos casos, não beneficiam às espécies como se acreditava até então.

Enquanto isso, os peixes migradores seguem em busca de um caminho que os levem ao destino e possibilitem a reprodução e perpetuação das espécies.

Crédito: Camila Andrade

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