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CULTURA

Fronteira: Antagonismo, Solidariedade, Esperança

É corriqueiro ouvir que se vive hoje num mundo sem fronteiras, situação que obviamente não passa de uma construção ideológica. No ano de 2011, integrando um grupo de professores e estudantes, visitei o Deserto do Atacama no Chile. Foi um momento para sentir como a fronteira é ainda uma forte realidade, mesmo entre países onde vigoram acordos comerciais como é o caso do Brasil e da Argentina. O grupo ficou impactado com o excesso de burocracia nas passagens das alfândegas. Ficou evidente que as facilidades de circulação são para mercadorias e não para pessoas, ou pelo menos para a maioria das pessoas. No mundo supostamente globalizado, muros e barreiras físicas continuam em construção nas fronteiras para evitar o passeio de indesejáveis. É emblemática a barreira para o passeio de indesejáveis na fronteira entre o México e os Estados Unidos. Na fronteira oeste do Estado do Paraná, Brasil, os indígenas guaranis costumam serem vistos como elementos perturbadores.

20/08/2015 - 15:51


O mundo globalizado tem liberado contingentes enormes de pessoas que não são mais requeridos pela economia. Tornaram-se redundantes. Milhares delas arriscam suas vidas tentando atravessar alguma fronteira com a esperança de encontrar mais humanidade ou melhorar seu jeito de viver. O mundo globalizado parece ter liberado a barbárie e tem se tornado menos hospitaleiro para as pessoas. Numa alusão ao pensamento do sociólogo Zygmunt Bauman (que aos 90 anos vem  ao Brasil para uma conferência), para as pessoas “globais”, a fronteira pode ser insignificante, mas para as pessoas “locais”, aquelas que se mobilizam pouco, ou quando se mobilizam atrapalham a economia, ela continua sendo real.

Em diversos momentos discuti com meu colega de pesquisas, o historiador Antônio Marcos Myskyw, procurando caracterizar a fronteira. Partes das conversas foram sistematizadas posteriormente por Myskyw em dois verbetes  para o “Dicionário da Terra”. O livro foi publicado pela Editora Civilização Brasileira, obra organizada pela historiadora Márcia Motta, e que circula nacionalmente. Fronteira acaba sendo aquilo que cada um representa, criada por aquele que a transpõe diariamente, esporadicamente ou nunca. Refletir na, e sobre a fronteira, é levar em conta um espaço privilegiado da produção de antagonismos, mas também de laços de solidariedade, da afirmação e negação de identidades, da (re)elaboração de representações, da (re)invenção de lendas e tradições, do (des)encontro dos homens, dos conflitos e das conquistas materiais

Por outro lado, a fronteira não se resume às delimitações geográficas (rios, vales e montanhas), muito embora estes sejam elementos importantes a se considerar. Os limites demarcatórios entre duas regiões carregam a força da natureza política e estimulam situações e práticas de afirmação, adaptação e tensão. Mas ela é muito mais que isso. A fronteira pode ser considerada um agente histórico, ou como disse muito apropriadamente o sociólogo José de Souza Martins, um “lugar da elaboração de uma residual concepção de esperança, atravessada no milenarismo da espera do advento do tempo novo, um tempo de redenção, justiça, alegria e fartura”.

Para conhecer e perceber a complexidade da fronteira é necessário vê-la sob diversos ângulos. Para muitos se resume a um obstáculo a ser ultrapassado, uma travessia a ser realizada. Com o surgimento do Lago de Itaipu no Oeste do Paraná, a fronteira-obstáculo, se diluiu, transformou-se em fronteira de tensão, que gera topofobia e que traz medo para quem morava na antiga fronteira. As pessoas costumam falar sobre isso sussurrando.

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