Os Promotores de Justiça da Comarca de Toledo enviaram uma nota à imprensa na tarde desta segunda-feira (02) para se posicionarem a respeito do julgamento do Habeas Corpus, apresentado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que será julgado na próxima quarta-feira (04) pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Em nota, o grupo relembrou que em 2016, o STF aprovou a possibilidade de cumprimento de pena após a condenação em segunda instância.
Ainda em nota, os promotores compartilham do mesmo receio dos demais colegas do Ministério Público brasileiro afirmando que, caso o Habeas Corpus apresentado pelo ex-presidente Lula, seja deferido pelo STF, no dia 04 de abril, a decisão pode causar enorme prejuízo à credibilidade de todo o sistema judicial brasileiro.
Para finalizar, os promotores disseram se sentir obrigados a se posicionar à respeito do tema, com o devido respeito aos ministros do STF, e sobretudo informar à sociedade sobre as prováveis implicações na hipótese de deferimento do Habeas Corpus do ex-presidente Lula.
O documento é assinado pelos promotores Daniel Pedro Lourenço, Giovani Ferri, Heric Stilben, José Carlos Mendes Filho, José Roberto Moreira, Katia Kruger e Sandres Sponholz.
Confira abaixo a nota na íntegra:
Nota pública: prisão em segunda instância
Todos os processos criminais são analisados considerando o “princípio da presunção de inocência”, expressamente previsto na Constituição Federal. Por intermédio desse princípio, ninguém será considerado culpado até uma sentença condenatória definitiva. Trata-se de uma regra importante para a garantia da liberdade de todos os cidadãos. Porém, quando se trata do direito de liberdade dos acusados, o princípio do estado de inocência é absoluto? De acordo com as atuais decisões do Poder Judiciário, a resposta é negativa.
Desde fevereiro de 2.016 o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por sete votos favoráveis e quatro contrários, a possibilidade de cumprimento de pena após condenação em segunda instância. Assim, réus que sejam condenados pelos Juízes locais, e cujas condenações sejam mantidas pelos tribunais após julgamento de recurso de apelação, devem iniciar imediatamente o cumprimento da pena aplicada, mesmo que manifestem intenção de recorrer às instâncias máximas do Poder Judiciário brasileiro, quais sejam o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o próprio Supremo Tribunal Federal (STF).
O principal argumento que permitiu essa interpretação foi no sentido de que o cumprimento da pena após a decisão em segundo grau é uma forma de se alcançar ao mesmo tempo o atendimento ao princípio da presunção de inocência e a possibilidade de uma solução do caso pela justiça em tempo razoável.
Portanto, no cenário atual, prevalece essa decisão do STF, assim como outros julgamentos que se seguiram, também pelos demais tribunais. Inclusive a esse respeito, é importante destacar que, assim como as leis, as decisões do STF com caráter de repercussão geral são observadas por todos os demais tribunais e juízes, especialmente com a finalidade de se ter segurança jurídica. As regras precisam ser iguais para todos.
Neste sentido, os Promotores de Justiça da Comarca de Toledo que subscrevem este documento compartilham o mesmo receio dos demais colegas do Ministério Público brasileiro de que, caso seja deferido pelo STF no próximo dia 4 de abril o Habeas Corpus (HC) no 152.752, apresentado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (mesmo com a confirmação de sua condenação pelo Tribunal Regional Federal da 4a Região em 26/03/2018), essa decisão possa causar enorme prejuízo à credibilidade de todo o sistema judicial brasileiro. O deferimento desse HC, baseado num único caso concreto, violaria justamente essas decisões anteriores, que aliás serviram para justificar as prisões de muitos réus após julgamento em segunda instância. Isso acarretaria um enorme retrocesso para um país que, sabe-se, está muito longe de superar os fatores que ainda garantem impunidade a muitos criminosos.
A população tem o direito de saber que a execução provisória da pena não significa o fim de direitos processuais garantidos a qualquer indivíduo acusado da prática de crime.
Diversamente, interpretar de forma absoluta a garantia da presunção da inocência, para não permitir o início da execução da pena antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, significa comprometer a aplicação das leis penais, especialmente nos chamados “crimes do colarinho branco”, cujos réus têm acesso privilegiado à Justiça, como é notório, uma vez que os acusados de baixa renda em regra não alcançam os Tribunais Superiores (STJ e STF).
Saliente-se que até o julgamento em segunda instância por um tribunal, já atuaram no processo criminal o Promotor de Justiça, o advogado de Defesa e o Juiz de primeiro grau, e depois também outro representante do Ministério Público em segundo grau, e os Juízes dos tribunais inferiores (pelo menos três julgadores). Portanto, essas acusações são analisadas por diversos profissionais do Direito, com a devida seriedade e responsabilidade, não havendo razão para se alegar insegurança jurídica em submeter um réu condenado em segunda instância ao cumprimento, mesmo que provisório, da pena aplicada.
Conclui-se, então, que admitir-se a execução provisória da pena no Brasil não constitui ofensa ao princípio constitucional da presunção da inocência. Diversamente, impedi-la ao analisar um único caso, ignorando decisões anteriores em sentido contrário, significaria a criação de perigoso precedente, por intermédio do qual toda a construção jurídica, envolvendo estudos, debates e discussões que ensejaram o entendimento da possibilidade da prisão em segunda instância dariam lugar ao fundado risco de ineficiência do Estado no seu dever de promover em tempo razoável a aplicação da justiça.
Diante deste cenário, com o devido respeito aos ministros do Supremo Tribunal Federal, os Promotores de Justiça da Comarca de Toledo sentem-se obrigados a se posicionar a respeito do tema, e sobretudo informar à sociedade as prováveis implicações na hipótese de deferimento ao Habeas Corpus que será submetido a julgamento no próximo dia 4 de abril.
Justiça para todos!
Daniel PedroLourenço
Promotor de Justiça
Giovani Ferri
Promotor de Justiça
Heric Stilben
Promotor de Justiça
José Carlos Mendes Filho
Promotor de Justiça
José Roberto Moreira
Promotor de Justiça
Katia Kruger
Promotora de Justiça
Sandres Sponholz
Promotor de Justiça