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OPINIÃO

Datas que marcam os 21 Dias de Ativismo pelo fim da violência contra as mulheres

No período dos 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres que, no Brasil, vai do Dia da Consciência Negra (20 de novembro) ao Dia Internacional dos Direitos Humanos (10 de dezembro), há mais datas importantes a registrar. 
25/11/2025 - 14:42
Por Maria Cecília Ferreira
Maria Cecília Ferreira

Maria Cecília Ferreira

Maria Cecília Ferreira é advogada, mestra em Ciências Sociais e presidente da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero (Cevige) da Subseção de Toledo da OABPR.


Internacionalmente, considera-se 16 Dias de Ativismo, com início em 25 de novembro. Essa data inaugural é celebrada pelo movimento feminista e por ativistas dos direitos das mulheres como um dia contra a violência de gênero desde 1981. Trata-se de homenagem às irmãs Mirabal (Pátria, Minerva e Maria Teresa). As três dominicanas, conhecidas como Las Mariposas, combateram a ditadura de Rafael Leónidas Trujillo, na República Dominicana, tendo sido brutalmente assassinadas em 25 de novembro de 1960.
 
Em 7 de fevereiro de 2000, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a Resolução 54/134 para declarar oficialmente aquela data como Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres. 
 
 
O objetivo dos “16/21 dias” é o de promover debates, manifestações, ações voltadas a denunciar as várias formas de violência contra as mulheres em todo o mundo e, sobretudo, estimular que as mulheres rompam o silêncio e o ciclo de violência a que porventura estejam submetidas. 
 
A realização de atividades no período surgiu em 1991 por iniciativa do Centro para a Liderança Global de Mulheres (Center for Women’s Global Leadership - CWGL). O CWGL foi criado como um projeto do Douglass College, em 1989, nos Estados Unidos, pela feminista Charlotte Bunch, professora do Departamento de Estudos de Gênero, da Mulher e da Sexualidade na Universidade Rutgers-New Brunswick.  
 
O CWGL é afiliado à Escola de Artes e Ciências daquela universidade pública estadual (Nova Jersey). Integra o Escritório de Programas Internacionais da instituição e o Instituto para a Liderança Feminina (Institute for Women's Leadership - IWL), consórcio que conecta institutos comprometidos com estudos de gênero, diversidade e igualdade de gênero, além de promover a liderança feminina em todas as áreas da vida pública.
 
No Brasil, convencionou-se iniciar a jornada dos dias de ativismo em 20 de novembro (Dia Nacional da Consciência Negra), ao considerar-se dados e indicadores demonstrativos de que a violência de gênero, a discriminação e o preconceito atingem de forma mais gravosa jovens e mulheres negras. Basta citar que 63,6% das 1.492 mulheres vítimas de feminicídio no Brasil, em 2024, eram negras (Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2025). 
 
                                           CANADÁ
 
Outra data do período remonta a trágicos acontecimentos. Trata-se de 6 de dezembro, Dia de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres (Dia do Laço Branco). O objetivo desse dia é o de conscientizar os homens sobre o papel que precisam desempenhar para contribuir com o fim da discriminação e a violência contra as mulheres. A data remete a um episódio ocorrido em 1989, em Montreal (Canadá), marcado pela misoginia e por violência extrema. 
 
 
No dia 6 de dezembro de 1989 ocorreu, na província do Quebec, no Canadá, o chamado Massacre da Escola Politécnica de Montreal. O episódio também é conhecido como Massacre de Montreal.  Armado com uma espingarda e uma faca de caça, Marc Lépine, um jovem de 25 anos, ingressou na instituição e tirou a vida de 14 mulheres. Em cerca de 20 minutos de ação, feriu ainda outras 13 pessoas, antes de cometer suicídio.
 
O ataque começou numa sala de aula no segundo andar da faculdade. Lépine separou os presentes e mandou que os homens saíssem. Durante todo o tempo das execuções, segundo os relatos das sobreviventes, ele reclamava sobre a presença de mulheres em profissões não tradicionais e afirmava estar "lutando contra o feminismo". Ele atirou em todas as nove alunas que lá se encontravam, matando seis delas. Em outros locais, alvejou principalmente mulheres. 
                                    
                                    MOTIVAÇÕES
 
Numa carta que levava no bolso, afirmava que o ataque tinha “motivações políticas” e que as feministas tinham destruído a vida dele. Lépine não suportava a ideia de que mulheres pudessem frequentar uma instituição de ensino e cursos de engenharia que, na sua concepção, só deveriam formar homens. 
 
A violência extrema e o grande número de mulheres vitimadas causaram enorme comoção em todo o país, inclusive pelo fato de ter ocorrido numa das mais antigas e prestigiadas escolas de engenharia do Canadá. A Politécnica foi criada em 1873 e é afiliada à Universidade de Montréal desde 1920. 
 
A reação à brutalidade do ataque de Lépine ganha relevância a partir de 1991. Homens e meninos começaram a usar fitas brancas em manifestações, primeiro na cidade de Toronto (Canadá), e depois em todo o mundo como uma promessa de nunca cometer, tolerar ou permanecer em silêncio sobre todas as formas de violência e discriminação de gênero. Surgia assim, com forte apelo à prevenção, a Campanha do Laço Branco (White Ribbon Campaign): homens pelo fim da violência contra as mulheres, atualmente presente em mais de 60 países.
 
Para honrar as vítimas da tragédia da École Polytechnique, 6 de dezembro é considerado, no Canadá, Dia Nacional em Memória e Ação contra a Violência contra as Mulheres. Em 2014, a direção da Escola Politécnica criou a Semana da Rosa Branca para incentivar o "florescimento" de talentos científicos e “despertar o interesse por ciência, tecnologia e engenharia em jovens que, de outra forma, talvez não se sentissem atraídas por essas disciplinas.” A denominação da semana alude ao fato de a rosa branca ter se tornado o símbolo das atividades que seguem, anualmente, lembrando os trágicos acontecimentos de 1989.
 
Há vídeos, textos e muitas análises sobre o episódio, sobre as motivações machistas e sexistas de Lépine, além de todo o ódio dirigido contra as mulheres. Tais motivações estão, invariavelmente, na base da maior parte das formas de violência de gênero que conhecemos.
 
LAÇO BRANCO
 
A campanha brasileira do Laço Branco foi lançada oficialmente em 2001. É a principal ação da Rede de Homens pela Equidade de Gênero (RHEG), constituída em 2004 por um conjunto de organizações não-governamentais e núcleos acadêmicos que atuam na promoção dos direitos humanos, com vistas a uma sociedade mais justa com equidade de direitos entre homens e mulheres. 
 
A campanha compreende estratégias de comunicação para sensibilizar e mobilizar os homens no engajamento pelo fim da violência contra as mulheres. Integram a RHEG: Instituto Papai (PE), Núcleo Feminista de Pesquisas em Gênero e Masculinidades (Gema/UFPE); Instituto NOOS de Pesquisas Sistêmicas e Desenvolvimentos de Redes Sociais (RJ), Instituto Promundo (RJ), Coletivo Feminista (SP), ECOS – Comunicação em Sexualidade (SP), Margens/UFSC e Themis: Gênero, Justiça e Direitos Humanos (RS).
 
           
No Brasil, a data (6 de dezembro) foi instituída como Dia Nacional de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres, por meio da Lei nº 11.489, de 20 de junho de 2007.
 
DIMENSÃO DE GÊNERO
 
A violência contra as mulheres, portanto, não pode ser entendida, sem considerar a dimensão de gênero, que traduz as relações sociais construídas histórica e simbolicamente com base nas diferenças percebidas entre os sexos, constituindo-se forma elementar de significar as relações de poder, conforme ensina Joan Scott (1995). Nesse sentido, atribui-se valoração e importância diferenciadas aos papéis e expectativas associados social e culturalmente a mulheres e homens. 
 
Os papéis masculinos são, em regra, supervalorizados em detrimento daqueles conferidos, exercidos ou impostos às mulheres, produzindo e reproduzindo relações desiguais, invariavelmente marcadas pela violência. Sentido em que, também, imprescindível articular gênero, sexualidade, raça e classe, conforme diversas autoras negras apontaram, a exemplo da filósofa brasileira Lélia Gonzales, professora da PUC-Rio, e a jurista estadunidense Kimberlé Crenshaw, professora de Direito nas Universidades de Columbia e da Califórnia, que formulou e desenvolveu o conceito de interseccionalidade. 
 
Em Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira (1984, p. 228), Gonzales aborda a relação entre racismo e sexismo na crítica às construções teóricas que buscaram mascarar conflitos sob a falsa ideia de que a “miscigenação” no Brasil teria resultado em harmonia. “Como todo mito, o da democracia racial oculta algo para além daquilo que mostra. Numa primeira aproximação, constatamos que exerce sua violência simbólica de maneira especial sobre a mulher negra.”
 
Para Crenshaw (1989, p. 140), “qualquer análise que não leve em consideração a interseccionalidade não consegue abordar suficientemente a maneira particular como as mulheres negras são subordinadas. Portanto, para que a teoria feminista e o discurso político antirracista abarquem as experiências e preocupações das mulheres negras, toda a estrutura que tem sido usada como base para traduzir a ´experiência das mulheres´ ou a ´experiência negra´ em demandas políticas concretas precisa ser repensada e reformulada.”
 
A data que marca o encerramento dos 21 Dias de Ativismo lembra a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Organização das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948. Direitos que precisam ser cotidianamente (re)afirmados e que nos trazem à memória dois fatos históricos. O primeiro, a Conferência Mundial de Direitos Humanos da ONU, realizada em Viena, em 1993, em que, pela primeira vez, os direitos das mulheres foram explicitamente reconhecidos como direitos humanos. E, o outro, na IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre as Mulheres, em 5 de setembro de 1995, em Beijing. Trata-se do célebre discurso da advogada Hillary Clinton, em sessão no Centro Internacional de Convenções da capital chinesa. Aplausos intensos ecoaram no imenso salão, quando ela afirmou: “Os direitos humanos são direitos das mulheres, e os direitos das mulheres são direitos humanos, de uma vez por todas!” 
 
No ano em que comemoramos os 30 anos da Declaração e Plataforma de Ação de Beijing – resultado daquela IV Conferência e marco na abordagem abrangente da violência contra mulheres e meninas, que impulsionou a ampliação de medidas legais e de serviços de proteção em todo o mundo –, vale lembrar algumas das razões pelas quais nos mobilizamos nestes 21 dias de Ativismo.
 
Maria Cecília Ferreira é advogada, mestra em Ciências Sociais e presidente da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero da OABPR/Subseção de Toledo.

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